terça-feira, maio 26

Arte Popular: A Arte de Bordar.

Quando utiliza agulha e linha, para adornar tecido, está a praticar uma das mais antigas artes da história, o bordado. Já os povos de civilizações antigas e sociedades primitivas utilizavam o bordado para adornar as suas roupas e os artigos das suas casas.

Muitos dos pontos que conhecemos e usamos hoje em dia, podem ser reconhecidos em bordados de todo o mundo, alguns trabalhados já há mais de 2 mil anos. O ponto de cruz, um dos pontos mais antigos registados, foi conhecido com tendo origem na Grécia antiga.

Durante muitos séculos, as bordadeiras trabalharam copiando os desenhos dos vários artistas directamente para os tecidos. No início do século XVII, apareceram livros que mostravam desenhos com motivos de pássaros, flores, animais e árvores, entalhados em madeira. Os bordadores, tanto homens como mulheres, aplicaram-nos nos artigos de casa e do vestuário. No final do século XVIII, o bordado era considerado como uma actividade de grande valor para as mulheres e a publicação das revistas femininas forneceram novas fontes de desenhos para bordados.

Para muitas pessoas, o bordado constitui uma parte importante da sua vida. O prazer de passar uma hora tranquila a bordar e a profunda satisfação de executar belos trabalhos, trazem alegria e dão uma sensação de continuidade à vida, tanto para homens como para mulheres, de todas as idades e nacionalidades.

Existem pelo menos quatro tipos de bordados:


O ponto de cruz é um ponto fácil de aprender em qualquer idade. Pode ser feito tanto da esquerda para a direita, como da direita para a esquerda, mas é importante que os fios superiores do ponto de cruz tenham todos a mesma direcção em todo o desenho.
O ponto de cadeia é um dos pontos mais populares do bordado sendo usado para os contornos, para confeccionar bandas e orlas de outros pontos e também para preenchimento de desenhos. Neste ponto é importante que se mantenha a tensão correcta e que as argolas sejam todas do mesmo tamanho e formato. É utilizado para execução de projectos modernos e muito simples.
O ponto pé de flor é, frequentemente, usado para bordar os caules das plantas dos desenhos, mas geralmente é utilizado como ponto de contorno. Este ponto é trabalhado da esquerda para a direita.
O ponto atrás é muito útil para marcar os contornos no bordado de estilo livre, realçando assim o seu bordado. É importante que todos os pontos sejam do mesmo comprimento.

Música: Composições do “Bem Bom “ e do melhor

Há compositores e produtores que, mesmo não sendo apreciados por todos, ou conotados com a música comercial das lendárias Doce, dos efémeros Gemini, ou do dinossauro José Cid (conotação essa que não necessariamente verdadeira, que ele criou mais que músicas orelhudas), deixam uma marca importantíssima no panorama nacional português. E este facto leva-me a uma curtíssima reflexão, antes de dar por iniciado o artigo. De facto, por detrás das vozes, há muito mais. Os artistas devem ser admirados claro., as vozes é que fazem a canção reconhecível aos ouvidos de todos. Mas e quem cria a melodia? Quem dá rumo à letra? Deve ser esquecido? Afinal de contas são estas pessoas que fazem nascer o esqueleto da canção. As cordas vocais dos mais ou menos bem sucedidos intérpretes apenas a complementam, e isto é demasiado importante na música pop, que se importa mais com o refrão inesquecível por horas, do que com o poder da voz do cantor, ou a mensagem subliminar da música.

Não sei se me faço entender. Mas a música pop vive mais da estrutura base da canção, que da sua interpretação final. Mais que todos os géneros, é um em que os compositores e produtores devem ser valorizados.
Tozé Brito pertence a este grupo, estando por detrás de uma grande quantidade de sucessos lusitanos, especialmente pop. Porém, apesar da inclinação para a música célere ou para a balada simples, romântica e emotiva, Tozé Brito foi dos compositores mais ecléticos que Portugal teve, colocando um pezinho no Fado, na Música Folk, e nas tentativas de Jazz feitas por menos de meia dúzia de artistas.
A carreira de compositor de Tozé Brito inicia-se em 1968, nos Pop Five, com a música “You’ll see”. E desde aí não deixou de compor, tendo enormíssimas influências do pop estrangeiro, mesmo ao compor em português, para portugueses. Tozé confessa, no entanto, que foi com o mestre da letra de intervenção, Ary dos Santos, que viveu as experiências mais gratificantes da sua vida, enquanto compositor.
A certa altura começou a compor para cantores da moda, como Tony de Matos e Franciso José, e mais tarde para as Doce, os Gemini (que ele integrava), Paulo de Carvalho, Adelaide Ferreira, Carlos do Carmo, José Cid, Simone de Oliveira e Ana Moura. Lança, enquanto administrador da Mar (discográfica em parceria com a EMI), lança nomes como Lúcia Moniz, Francisco Mendes e D’Arrasar.
Abaixo ficam algumas das composições que beneficiaram do dedo mágico de Tozé Brito:
José Cid – 20 anos

Doce – Amanhã de manhã

Adelaide Ferreira – Papel principal

Simone de Oliveira – À tua espera

Gemini – Pensando em ti

Vítor Espadinha – Recordar é viver

Para terminar, algumas citações do compositor que mais se pronuncia contra o download ilegal.

"Nunca senti que tivesse grande vocação para cantor. Como músico ainda me diverti um bom bocado."
Não é o único a achá-lo. A percentagem mais significativa de conhecedores do trabalho de Tozé Brito prefere-o como compositor e produtor.

"Eu nunca fiz censura estética. Acho que este é o termo exacto. Nunca tive a preocupação de pensar não vou escrever coisas para esta pessoa porque aquilo que ela faz não me agrada. Não. Vi sempre as coisas ao contrário, isto é, não abdico duma determinada linha, que é a minha, e se a pessoa conseguir adaptar-se à minha canção, muito bem. Ou seja: escrevi algumas canções para pessoas com que não me identifico de todo, em termos estéticos, em termos musicais. No entanto, aceitei esses pedidos, sempre. (...) Foi o que se passou com o Clemente, com o Dino Meira... Eram pessoas que, desde que me pedissem uma canção, eu era incapaz de os tratar de uma forma diferente da maneira como tratei os outros."
Outra das características que o levou tão longe é a fidelidade a si próprio, e ao seu género, ao qual os intérpretes tinham de se adaptar.

"Há dias em que me apetece pegar na guitarra e compor. Ou pegar numa folha de papel e escrever uma letra, impulsionado sabe-se lá porquê: Às vezes a ver um filme, uma simples frase de um actor, é o suficiente para me fazer levantar como uma mola. E quantas vezes aconteceu..."
Sem fazer plágio, Tozé Brito sempre se inspirou nas frases de outrem, para criar histórias, para compor canções, algo que acontecia de forma espontânea, e quase nunca preparada. São todos estes factores que, em conjunto, que tornam o trabalho de Tozé Brito “bem bom” de se escutar.

segunda-feira, maio 25

Literatura: Mérito consagrado

Parte integrante do processo evolutivo da vida de cada um, os momentos de grande concretização figuram entre todos os que já vivemos, adquirindo sempre, de imediato ou a um médio prazo, uma qualidade de motivação para tudo que venhamos a desenvolver com o nosso próprio esforço. O processo de consumação de todos os sucessos é, em primeiro, o acto de semear, depois o esforço contínuo que se realiza e desenvolve, depois o suor que resulta e, como última etapa, encontramos o efeito abonatório do mérito. Em muito do que é produzido falta a finalização da derradeira etapa que acabei de referir, o que, por ordem humana e de haver já testemunhado em mim semelhante injustiça, lastimo que perdure numa sociedade que é tida, pelos mais favoráveis à vida que ela propõe, como uma sociedade de esforço e mérito que, unidos, elevarão a honra de um sujeito. Todo este ideal ainda nos fascina, e é bem verdade que tudo aquilo que de nós exige o fascínio, o exige particularmente por ser algo ainda pouco visto: uma novidade a que, por vezes, aderimos com algumas reservas de início. Assistir à consagração efectiva e meritória de um longo trabalho em qualquer que seja a área, seja cultura, seja economia ou justiça, e mais áreas existirão, é algo com que dificilmente nos deparamos no quotidiano que vivenciamos e vamos vivenciando. Desta forma, o trabalho de muitos indivíduos resultará apenas no cansaço e no consequente desânimo de tarefa que não recompensou o esforço empreendido para o efeito. E, apenas para demonstrar com perfeita exactidão um dos horrores do mundo que nos integra, os poucos triunfos que um trabalhador alcança são, no grosso das vezes, alvo das piores críticas que não provirão senão de um sentimento repulsivo: a inveja.

Não esqueçamos que me refiro a José Saramago, o qual é digno de todas as condecorações que já possui e que foi coleccionando no decurso dos anos em que produziu tantos e tantos objectos de cultura. Neste caso específico, não em casos isolados que estejam a este alheios, o factor temeroso (a inveja), e conservador, teve um papel preponderante na opinião de muitas personalidades que expressaram o seu juízo relativamente à mais alta consagração que José Saramago obteve, que corresponde igualmente à condecoração de mais alto valor já atribuída a um escritor português: o Prémio Nobel da Literatura, no ano de 1998. No conjunto dos vultos portugueses socialmente reconhecidos que se expressaram acerca da atribuição do Nobel, encontramos três graus de aceitação da decisão da Academia Sueca. Em primeiro lugar damos com o conjunto de indivíduos que aplaudem, se necessário de pé, a dita decisão que premeia o escritor José Saramago. Em segundo lugar, encontramos os cépticos que, apesar de se mostrarem satisfeitos com o prémio, expressam sérias reservas em relação à decisão. Por último, há ainda aqueles que discordam com a escolha.

No primeiro conjunto de individualidades de grande simpatia descobrimos o Presidente da República de então, Jorge Sampaio, assim como o Primeiro-Ministro António Guterres (hoje entregue a preocupações muito distintas com pessoas que, em oposição a José Saramago, não saberão, muitas delas, ler ou escrever), ministros e outros políticos, como Manuel Maria Carrilho, Mário Soares ou Carlos Carvalhas, o bispo timorense D. Ximenes Belo, o rei de Espanha, e ainda, por exemplo, membros da Associação Portuguesa de Escritores. Todos estes, sem reservas algumas, mostraram o seu contentamento perante a atribuição do primeiro Nobel da Literatura da língua portuguesa, e até agora único. Este entusiasmo foi a todos inesperado: o secretismo da Academia Sueca impede qualquer pessoa de considerar que tal nome de tal autor estará dentro da discussão para vencedor ou se nem sequer se apresenta como candidato. Até à data em questão, e mesmo até aos dias de hoje, os Prémios Nobel da Literatura são de uma justiça muito questionável, tendo em consideração as próprias pessoas com poderes de decisão na escolha dos vencedores. Como exemplo, os vencedores de anos anteriores poderão influenciar directamente as decisões do presente: isso permite que um país, quantos mais prémios possuir, mais possuirá pelos interesses patrióticos dos seus autores já consagrados. Não causa admiração que países como a França, os Estados Unidos ou o Reino Unido estejam entre os países mais condecorados com este prémio internacional. A qualidade de muitos destes escritores franceses ou de língua inglesa apresenta-se extremamente aquém da de José Saramago e de vários escritores recentes da língua portuguesa, que entretanto vieram a falecer sem receber tal distinção, como Vergílio Ferreira, Miguel Torga ou Sophia de Mello Breyner. Por outro lado, é igualmente notável que tão poucos prémios Nobel tenham sido dirigidos a mulheres: o conservadorismo, talvez causado pelo frio que se faz sentir em Estocolmo, ainda está patente nas decisões de um assunto tão sério como a cultura.

No segundo conjunto de personalidades temos os reservados, ou talvez os satisfeitos mas acobardados devido à inveja latente ou à ignorância perante questões de estilo e linguagem: entre outros, saliento os nomes de D. Manuel Martins, um religioso, Eugénio de Andrade, poeta, e Maria Teresa Horta, uma escritora portuguesa. D. Manuel Martins frisou que, enquanto português, o contentamento é inerente, apesar de condenar o ateísmo de José Saramago que, na sua opinião, deveria servir-se da sua excepcional capacidade de escrita para desenvolver temáticas religiosas ou, no mínimo, menos heréticas. O poeta Eugénio de Andrade, o qual admiro formidavelmente, considerou que o prémio, ainda que atribuído com justiça à literatura portuguesa, deveria ter sagrado um poeta e não um prosador, por ser da opinião de que o génio literário português está mais visível na poesia. Aceito, sem qualquer tipo de reservas, que a poesia portuguesa, muito em particular, merecia já uma condecoração deste género; porém, quem para a receber no ano de 1998? Miguel Torga estava morto... Fernando Pessoa estava morto há muitíssimo tempo... António Gedeão não estava mais vivo que os outros... Recebê-lo-ia Sophia de Mello Breyner (para felicidade do seu horroroso filho), ou recebê-lo-ia ele próprio, Eugénio de Andrade? É possível entender esta opinião com alguma inveja da parte do poeta. Por fim, Maria Teresa Horta considera que muitas autoras portuguesas possuem uma obra tão ou mais relevante do que José Saramago. Não é novidade que defendo o sexo feminino nestas questões onde o masculino ainda parece ter um lugar de destaque e de primazia... No entanto, que mulher terá obra equivalente à de José Saramago, nomeadamente no género narrativo? Apenas uma: Agustina Bessa-Luís, que, não sendo, na minha opinião, merecedora de comparação equitativa com José Saramago, possui, na opinião deste último, o maior génio literário português. Por tal, aguardo com grande expectativa o próximo Prémio Nobel português da Literatura, que será atribuído, se Deus for favorável, à grande Agustina.

Por último, encontramos as duas personalidades que discordaram com a decisão da Academia Sueca: D. Duarte de Bragança (o futuro rei que nunca o será) e Sousa Lara. O primeiro mostrou-se ousado a ponto de questionar a competência dos membros do júri, que, no seu entendimento, não leram, com toda a certeza, as obras de José Saramago, o qual escreve de uma forma "difícil e pesada" e "pouco cristã". Sousa Lara, por outro lado, vale todas as reprimendas morais que me cabem pensar. Este antigo deputado foi o responsável, no início da década de 1990, pela deslocação de José Saramago para o país vizinho, após este deputado haver censurado o seu livro Evangelho Segundo Jesus Cristo, impedindo-o de se candidatar ao Prémio Literário Europeu.

No entanto, mesmo a nível internacional, muitas personalidades, algumas delas inseridas nos círculos de decisão dos Prémios Nobel, atribuem alguma injustiça à sua atribuição no ano de 1998: segundo muitos, a condecoração do nosso Saramago resultou de uma campanha profissional de publicidade que terá resultado no conhecido prémio. Alguns vão mais longe, denunciando igualmente a Alemanha de, no mesmo ano, haver praticado uma campanha de contornos semelhantes. Exploremos o conteúdo destes juízos: um ano antes da atribuição, José Saramago foi, na Suécia, objecto de muitas atenções da elite literária. O escritor português foi convidado a realizar uma visita a Estocolmo, capital oficial da Suécia, onde discursou na Universidade Estatal e num Seminário e deu variadas entrevistas aos mais diversos órgãos de comunicação social. Na mesma data, a televisão estatal sueca produziu um documentário relativo a José Saramago. Um mês mais tarde, a enorme Feira do Livro de Frankfurt, a maior do continente europeu, elegeu Portugal como o país em destaque na edição desse ano. Onze meses mais tarde (que, segundo os analistas que discordam com a atribuição, deverá ser muitíssimo pouco tempo), José Saramago é sagrado vencedor do Prémio Nobel da Literatura. Para muitos, o mérito faltou nesse ano; para outros, como eu, foi um ano de invulgar capacidade de projecção do nosso país: o mundo encontrava-se de olhos postos em Portugal, graças à organização da Exposição Internacional dos Oceanos, e muitos outros países, em oportunidades como as já referidas, escolheram explorar o melhor que em Portugal era feito em várias e diversas áreas. Naturalmente que José Saramago, decorrente tal facto da sua grande qualidade e reconhecimento internacional que sempre teve enquanto escritor, beneficiou dessa projecção, atingindo o momento de maior glória de um escritor português.

Terminarei o presente artigo com uma informação que talvez silencie a malvadez de tantos quantos não entendem o talento imenso de Saramago: o crítico literário americano Harold Bloom, conhecido como o mais brilhante de todos os críticos deste planeta (o mesmo que, como referi há alguns meses, reconhece Fernando Pessoa como o poeta mais influente do século XX, a par com Pablo Neruda), vê em José Saramago o maior génio literário vivo: as suas exactas palavras foram, na língua de Shakespeare, "the most gifted novelist alive in the world today". Mais palavras julgo não serem necessárias. Não deveria "o mais talentoso romancista vivo do mundo actual" receber o Prémio Nobel da Literatura, se tantos outros o recebem? Sim... e mais: deveria receber dois!

sábado, maio 23

Cinema: E o Vencedor do Globo de Ouro na Categoria de Cinema é...

Peço desculpa pela ausência do meu artigo no último sábado, isto porque com a apresentação da peça de teatro Os Maias nos Aprendizes do Fingir não tive tempo de fazer um artigo sobre o Cinema.

Realizou-se no último domingo, dia 17 de Maio de 2009, a grande gala anual dos Globos de Ouro.

Esta gala é organizada pela revista Caras em parceria com o canal de televisão SIC e é atribuído um Globo de Ouro aos artistas nomeados em diversas categorias (Cinema, Música, Teatro, Moda, Desporto) e é ainda atribuído o Prémio de Mérito e Excelência.

Esta gala começou no ano de 1996 até aos dias de hoje. Na primeira Gala dos Globos de Ouro, na categoria de Cinema os vencedores foram:
Melhor Filme: Adão e Eva, Joaquim Leitão
Melhor Actriz: Maria de Medeiros, no filme Adão e Eva
Melhor Actor: Joaquim de Almeida, no filme Adão e Eva
Melhor Realizador: Joaquim Leitão, pelo filme Adão e Eva

Neste ano os vencedores dos Globos de Ouro foram:
Melhor Filme: Meu Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes
Melhor Actriz: Sandra Barata Belo, no filme Amália, o filme

Melhor Actor: Nuno Lopes, no filme Goodnight Irene


Neste ano dos Globos de Ouro o Prémio de Mérito e Excelência foi atribuído ao cineasta Manoel de Oliveira pela sua longa carreira e pela qualidade e dedicação a todos os seus filmes realizados.

Estas galas de atribuição de prémios aos artistas portugueses são a maior retribuição de anos de trabalho que naquelas galas são reconhecidos. Saber que os trabalhos ao qual todos os actores, músicos, estilistas e outros artistas se dedicam são reconhecidos e valorizados dá ainda mais força e vontade de continuar a realizar projectos ainda maiores e exigentes. Espero que estas galas continuem e que as atribuições destes ou outros prémios sejam justas e que dêem mais força e vontade a todos os artistas portugueses.

segunda-feira, maio 18

Literatura: Versos de ouro ou platina

O que tenho hoje em mãos é tarefa bem complicada, uma exigência para a qual muitos esforços não bastam que nos guiem na direcção do prometido. Olhar José Saramago como um poeta, que é o que me propus hoje exemplificar, foi, noutros tempos, bem mais simples do que o é pelos dias de agora: em alguns anos, todas as suas palavras que nas livrarias iam surgindo com o sabor fresco da novidade limitavam-se a versos, poemas alinhados num contexto preciso ou pouco rigoroso. Após essa fase, como qualquer autor, este alterou o seu método, redigindo com maior frequência romances no seu registo prosaico bem reconhecido por todos. Esse mesmo registo foi o que lhe valeu a atribuição do mais alto prémio mundial que distingue intelectuais envolvidos nesta arte, ficando a poesia cada vez mais afastada do rosto que nos acostumámos a imaginar por trás dos trabalhos que lemos da sua autoria. Ao todo, Saramago publicou três livros de poesia, com um intervalo entre publicações variável entre quatro a cinco anos. Eles, ainda hoje vendidos como marcos do início de uma carreira sólida de artista moderno, receberam, da parte do escritor, os seguintes nomes: Os Poemas Possíveis, Provavelmente Alegria e O Ano de 1993, todos publicados oficialmente algures entre o final da década de sessenta e o início da década de setenta e lidos por muitos portugueses desde então ate hoje. Não estão, efectivamente, integradas no conjunto de algumas obras de José Saramago que consideremos, com base em determinadas vantagens qualitativas, as mais formidáveis, e os seus poemas apenas, sob uma análise quase inconsciente dos mesmos, com dificuldade farão algum leitor apreciar a escrita de Saramago, se não a apreciasse antes de contactar com esta poesia. Rectificando, pois assemelho-me a delinear pelo discurso que a poesia de Saramago não merece a sua alta consideração, que, por uma análise algo mais elaborada, devemos valorizar em grande medida esses poemas: eles foram o fruto de um génio literário que, com eles, amadureceu, e que necessitava amadurecer o bastante para alcançar a mestria que viria a obter como romancista. A poesia foi, com efeito, a alternativa que Saramago não temeu, quando o seu segundo romance foi redigido e rejeitado, e que permitiu a sua constância de publicações, nunca o afastando desta sua arte. A sua maturação como escritor passou muito pela racionalização da poesia.

Um influente poeta português da modernidade, Eugénio de Andrade, como possivelmente venha a contar-vos melhor no próximo artigo, declarou certo dia, após Saramago ser galardoado com o conhecido prémio Nobel, que esse reconhecimento seria mais justo de laurear um poeta e não um prosador. É bem certo que foram os seus romances, tão lidos e tão fascinantes, que sugeriram fortemente o seu nome para a sua sagração: esquecem, porém, os próprios colegas do mundo literário, que José Saramago, no início da sua carreira, compôs muita poesia, ainda que bem longe da qualidade que outros registaram nesse campo, como o próprio Andrade ou Miguel Torga, ou mesmo Sophia de Mello Breyner. Se, pelas palavras do poeta, a poesia parece ser a expressão máxima de todo o ser português, José Saramago evidencia-se como um aparatoso caso de distinção, que se desvia daquilo que é regra. Com a prosa, o nosso mestre, assim lhe chamemos, obteve o reconhecimento que nenhum romancista do século XX esteve próximo de conhecer.

Quem melhor me souber descrever segundo aquilo que habitualmente escrevo, mais em literatura do que propriamente nestes artigos com um certo carácter de jornalismo ou de crónica, talvez me reconheça uma inflexível tendência para o subjectivo dos assuntos, emitindo opiniões pessoais onde o discurso de reflexão não seria proposto pelo grosso dos autores. Compreenderia o teor dessa mensagem se ma viessem dirigir; contudo que a sensibilidade que deixo persistir no meu narrador se altera em cada nova situação com que se depara, e essa mesma sensibilidade difere bastante daquela com que vivo os dias enquanto ser humano, como existindo, num clima por vezes pouco harmonioso e tranquilo, duas personalidades distintas dentro deste mesmo corpo, uma delas apenas se manifestando nas circunstâncias de escritor e omitindo quase na totalidade este outro que é mais visível ao olhar de todos. Não sou, porém, insensato de julgar-me mestre em confrontação com a opinião que todos parecem ter e que aceito como elogios: no seguimento deste artigo, quero certificar-vos que a opinião pessoal que eu possa ter, não vo-la manifestarei. Seria absurdo tratar a poesia de José Saramago sem os devidos exemplos que pedem um breve comentário, e se esse comentário com dificuldade poderá sair isento de um toque pessoal, isenta poderá ser a escolha dos poemas de que falarei e que para aqui copiarei para vossa leitura. O primeiro que trago é o de abertura do livro Os Poemas Possíveis.

"Dirão outros, em verso, outras razões,
Quem sabe se mais úteis, mais urgentes.
Deste cá, não mudou a natureza,
Suspensa entre duas negações.
Agora, inventar arte e maneira
De juntar o acaso e a certeza,
Leve nisso, ou não leve, a vida inteira.

Assim como quem rói as unhas rentes."

Este poema de duas estrofes e com esquema rimático consiste no conceito de literatura mantido pela consideração do autor: descreve o processo de criação literária como um processo onde a delicadeza dos excessos domina como um rei no meio de tantas outras condições fundamentais à concretização de um texto. O acto de escrever, somente este, simples ou exigente que seja, baseia-se no próprio vício de escrever e não sucede, neste autor e em muitos outros como eu próprio, de outras causas acima desta: um vício cruel ou soberbo, que outrem nos oferece em troca dos nossos mesmo resultados de participar neste jogo de criação, em que pouco se ganha. A comparação com que termina é a de quem rói as unhas, confrontação essa que eu entendo infelizmente bem, dado eu possuir ambos os vícios, e ainda que eu julgue uma dádiva de Deus saber escrever bem e com correcção, talvez, segundo diferentes perspectivas, esse acto seja tão miserável quanto o de roer as unhas; chega a surgir o problema para o qual parecemos ter sempre a resposta certa: poderá um vício ser bom? Não, dizemos sempre. Será?

"Caminhámos sobre as águas como deuses,
E fomos deuses.
Todo o arco do céu as nossas mãos traçaram,
E os traços lá ficaram.
Olhamos hoje a obra, cansados arquitectos:
Não são os nossos tectos."

Este outro poema de singular simplicidade e sinceridade é parte do livro Provavelmente Alegria, e descreve o passar do tempo sobre as sensações, os gestos e as emoções que duas pessoas podem experimentar. O facto sentimental que o poeta nos reporta não diz apenas respeito a dois amantes, mas igualmente a dois amigos ou a dois elementos da mesma família. A sensação é a de sermos absolutamente contentes num instante, não significando por isso que essa felicidade se prolongue através dos anos, ou mesmo que a felicidade do conhecimento e da experiência venha a demonstrar-se contentamento depois de passar o tempo. Os indivíduos, dos quais somos todos exemplo ilustrativo, alteram-se ao sabor das vivências e subjugam-se às diversas realidades que fazem os dias nem sempre se perceberem como uma sucessão perfeita de horas sobre horas, num ciclo invariável. Somos hoje, estamos hoje como estamos, porque nos rodeiam as condições para o sermos. Seremos amanhã diferentes de hoje porque também o dia é outro, com o fim do dia anterior sumiu-se a forma de se estar naquele dia e de se fazer o que se fez. Esta realidade mais se notará se considerarmos a possibilidade de a analisarmos com a diferença de meses ou anos de entremeio.

Aqui vos trouxe parte da poesia do nosso querido escritor. Recomendo vivamente a todos os interessados que leiam alguns poemas e alguns versos de Saramago: é interessante verificar que a construção frásica que tanto ligamos à sua escrita não se limita a surgir em romances ou em prosa, mas também noutros géneros literários. Por fim, em gesto de conclusão, deixo-vos com um derradeiro poema. Fala do amor e da força de uma ou duas pessoas. Lanço-vos o desafio, do qual deverão depreender uma conclusão através de uma mensagem subliminar: leiam esse poema como dirigido a vós em todas as circunstâncias da vida, não só no amor, mas também nos projectos de realização pessoal, na família e no modo de encarar a sucessão dos dias de que tenho vindo a falar como repetição constante. Perdoem-me.

"Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende."