terça-feira, abril 28

Arte Popular: Revolução dos Cravos

Continuando o 25 de Abril, falo uma pouco dos cravos.

O cravo vermelho tornou-se o símbolo da Revolução de Abril de 1974. Com o amanhecer as pessoas começaram a juntar-se nas ruas, solidários com os soldados revoltosos; alguém (existem várias versões, sobre quem terá sido, mas uma delas é que uma florista contratada para levar cravos para a abertura de um hotel, foi vista por um soldado que pôs um cravo na espingarda, e em seguida todos o fizeram) começou a distribuir cravos vermelhos para os soldados, que depressa os colocaram nos canos das espingardas. As flores do cravo são chamadas igualmente “flores divinas” ou “cravo-da-índia”. As flores do cravo estão disponíveis em quase todas as cores excepto azul. São flores macias. As flores do cravo são flores constantes. Representam e trazem positivismo.

Um poema sobre o tema:

Dizem
Que em tempo passado
O Povo deste País
Vivia em Opressão
Sentindo-se muito infeliz!

Pode ser!
Eu não duvido
Que houvesse descontentes
E foi fácil, divertido
Manipular nossas mentes!

Do que me lembro ainda
E olhem que tenho idade...
P'lo que vivi na altura
Estão a faltar à verdade!

Não estando na Europa
P'ró progresso se caminhava
Não se conhecia fartura

E o Escudo, poderoso
Com outras moedas apostava!Podia-se comer regrado
Mas dizer que havia fome....
Meus Amigos, está errado!

Se foi para mudar...
Todo o bem para este Povo!
Mas hoje estamos pior
Que estávamos no Estado Novo!
Não há Trabalho, Saúde
Os produtos a aumentar
Mendigamos à Europa
Não sei como vai acabar...

Liberdade...Que beleza!!!
Ofendemos por ser livres
Julgamos com incertezas
Fazemos nós de juízes!
Sabemos bem e de cor
Os Direitos que nós temos
Os Deveres que nos obrigam
Facilmente esquecemos!

E vivemos sem projecto
De decência e condição
A fome, agora real
Espreita o Povo e a Nação!

segunda-feira, abril 27

Literatura: O maior dos escritores

"Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores (...) Basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias (...)"

Uma série de crimes me desejam os dedos escrever que existem e que não aliciam a qualquer punição senão a da consciência sobre nós próprios. São esses crimes aqueles que cometemos por praticar o gesto ou a acção que, sem ferir susceptibilidades ou vontades, bem sabemos estarem errados na óptica moral. Iniciar um artigo por palavras que não se produziram e não se ordenaram segundo o meu modo de o fazer - foi a via preferível, entre outras de que dispunha, para me fazer fugir com habilidade ao risco tormentoso de me descair num desses crimes morais: não considerando para já o meu mais sagrado pasmo por José Saramago, seria errado, simplesmente errado e com uma dose forte de absurdo, iniciar um artigo que lhe é dedicado com palavras escolhidas por alguém que não seja por este escritor maior que todos os outros. Seria correcto, a título de exemplo, divagar acerca de génios como Garrett ou mesmo, elevando a fasquia a um nível superior, como o enorme Camões, iniciando determinado artigo a eles dedicado com palavras de José Saramago. Isto que agora escrevi poderá ser alvo das mais variadas críticas; poderão dizer que atribuo um valor acima do real a uma personalidade em que tantos descobrem os mais irreais defeitos, poderão considerar de mau tom uma adoração tão perceptível a alguém que, aos olhos de tantos, viola as regras da escrita e da pontuação, em particular. Não me sento nem escrevo no presente momento para agradar a troianos nem a gregos, simplesmente me deixo andar, percorrer o teclado e as palavras com os dedos, à semelhança deste escritor sobre que me debruço. Regressando aonde me deixei - seria correcto iniciar com Saramago um artigo referente a um qualquer vulto da literatura portuguesa porque este português é superior a todos os outros escritores deste país, ou equipara-se ao maior pela sua qualidade e lucidez, além do pesado facto de se encontrar neste mundo e não naquele aonde nos dirigimos na companhia da morte. Este artigo e os quatro seguintes, por todos estes factores meticulosamente ponderados, será a maior homenagem por mim prestada neste ano no âmbito deste projecto a uma figura qualquer da literatura portuguesa. O melhor aos melhores.

As frases que transcrevi para o começo do artigo integram uma obra de ficção de José Saramago, publicada no ano de 1986, de seu nome "A Jangada de Pedra". Mostro particular interesse por esta sua declaração pela consagração que o próprio autor faz ao seu génio nato: como para qualquer escritor, a escrita é-lhe um processo de extrema exigência que extenua pelo trabalho que lhe temos de dedicar No entanto, José Saramago escreve como ninguém - testemunhos disso são todos os prémios literários nacionais e internacionais que já venceu, não restando nenhuma importante condecoração para lhe ser atribuída. Tal sucesso, se se acha difícil o processo de criação, deverá chegar a partir de um génio mais elevado que nunca ninguém conheceu.

Saramago nasceu numa aldeia que, apesar de tão pequenina como a vou desenhando na imaginação, fica na memória de muitos seguidores da obra deste escritor. A aldeia é Azinhaga, fica no Ribatejo e lá vivia a sua família pobre, constituída por pais e avós. As imensas dificuldades e privações da sua família convidaram-na a partir para as oportunidades mil que a capital, Lisboa, aparentemente oferece. E não é negável que a cidade do Tejo concedeu a Saramago condições francamente melhores para viver a sua infância do que na sua aldeia de Azinhaga. Cedo foi forçado, todavia, por dificuldades financeiras, a abandonar os estudos, muito embora todos percebessem o seu empenho fabuloso na área da sua educação. Nunca abandonou a busca pelo conhecimento como a muitos sucede, após deixar a instituição de ensino; tornou-se um autodidacta até aos dias de hoje, conservando um leque vário de empregos que lhe foram surgindo, nos quais José Saramago, ou em quase todos eles, revelou invulgar capacidade de trabalho e até algum espírito de sacrifício e um desproporcionado sentido criativo e crítico. Quando a sua origem popular se manifestou, sendo levado a sair da escola, formou-se numa escola técnica para, muito em breve e com urgência, conseguir um sustento que chegaria por meio de um emprego; esse emprego chegaria depressa. Numa oficina, reparando carros, ganhou o seu primeiro ordenado.

Por muito que se exerça uma profissão exigente, o comportamento mais natural da espécie a que pertencemos é o de chegar ao nosso lar, após um dia longo de trabalhos vários, vítimas de grande desgaste físico e de cabeça, e logo nos recostarmos a repousar. Ou, ao menos, a vontade aponta nesse destino das nossas coxas. Tal desejo profundo rompe na rotina diária de trabalhadores dedicados e de trabalhadores que pouco levam a sério a sorte do emprego que mantêm. Porém Saramago, contando também a sede cultural da vida que levava, procurava muito frequentemente a Biblioteca do Palácio Galveias, em Lisboa, onde se retirava na leitura em muitos dias por semana, após o fim do seu horário laboral. O rumo dos corpos, mesmo dos nossos, define-se desde cedo e cedo se principia a manifestar; mesmo o de uma simples seta, que sem voar na época em que é feita, vê o seu destino escrito na forma que lhe demos e que a fará poder voar, assim como no destino que tiveram todas as outras setas suas semelhantes que mostravam os mesmos atributos que ela e que partilharam esse mesmo destino. O caminho dos interesses e da vida de José Saramago, se já se comportavam no seu psíquico, aqui se tornaram evidentes para o próprio e para os próximos. Não alvitro, nem tenho ainda capacidade e conhecimento de facto suficiente para alvitrar sobre que género de livros, na altura, José Saramago preferia. Possivelmente que um dia possa dizê-lo. Por isso, e não resistindo, romancearei por umas linhas o comportamento de José Saramago na biblioteca de Galveias. O jovem, no qual pouco se revêem os esforços do longo dia de trabalho que o explorou, viaja entre os espaços que são reservados às pessoas no reino dos livros que é cada biblioteca. Encosta a mão a um livro, a pele treme na emoção, na ansiedade de descobrir que sonhos, que experiências, que novo género de coisas diversas a pessoa adquirirá com a prática da leitura daquelas centenas de páginas. Mas o livro que ele toca não é isolado, como uma família vive esse livro na companhia de tantos outros que chamam a mesma atenção a José Saramago. E então, por muitos dias, meses, anos, José virá à biblioteca, reter-se-á na contemplação de letras e no fascínio das palavras, até que esgote os livros ou se inicie na redacção dos seus próprios.

Outros empregos que José Saramago encontrou foram mais de encontro àquele Saramago das letras que hoje todos conhecemos. Aquela figura que todos imaginamos, de José Saramago de calva, ombros encolhidos e caneta sobre uma folha branca, óculos na face apontados a baixo, demonstrando concentração, já então se iniciara. Esses empregos eram em periódicos, como o Diário de Notícias e o Diário de Lisboa, e também como tradutor de literatura. No ano de 1947, aos 25 anos, consegue publicar o primeiro romance que propõe aos editores: Terra do Pecado. Anos depois, redige Clarabóia, que, rejeitado, permanece no desconhecido das estantes até aos dias de hoje. Com isso, dedicar-se-á mais ao teatro e à poesia, antes de regressar em definitivo à prosa - género literário em que se tornou o melhor dos melhores. O crescimento e amadurecimento de José Saramago enquanto escritor afastou, progressivamente, os empregos que conservava. Começa então a viver apenas do seu trabalho literário, a início ainda mantendo a ocupação de tradutor, mas depois sendo simplesmente um criador, o mais promissor e, mais tarde, o mais lido e reconhecido escritor português em Portugal e no Mundo inteiro.

Ainda hoje José Saramago é dos mais ilustres e interventivos membros do Partido Comunista Português. As suas convicções, noutras áreas, incluem a defesa do iberismo e do ateísmo. O segundo, obviamente destacado nas suas obras, significa a absoluta negação de qualquer entidade divina e instituição religiosa. O iberismo, menos divulgado e reunindo um menor número de apoiantes, é o nome dado à doutrina que defende uma única raça ibérica de humanos: a união entre Portugal e Espanha em todos os aspectos, feita excepção talvez à língua. O iberismo de Saramago, para as mentes mais humoristas, expressa-se de igual modo no seu segundo casamento, que para o bem dura até ao presente. José Saramago é casado com Pilar del Río, a quem dedica a grande maioria das suas obras, e vive com ela em Espanha, nas Ilhas Canárias, desde o início da década de 1990, mantendo, ainda assim, a sua casa de Lisboa. O motivo da sua deslocação definitiva para o país vizinho será abordado no próximo artigo de literatura deste espaço, em que tratarei a obra e a escrita de José Saramago, com a ajuda do inquérito que está, já vai para meses, neste blogue e cujo efeito ainda ninguém acertou.

Haja saúde e alegria para todos.

Música: "Rockvolução"

Desfasamento das tendências mundiais / Primeiros projectos

Em 1974 o mundo rendia-se ao Rock de David Bowie, Rolling Stones, Genesis e à intensidade futurística dos Kraftwerk... É claro que estes álbuns rodaram então em gira-discos portugueses, mas o protagonismo do Portugal musical desse ano acolhia antes a explosão «legal» da canção de intervenção, muita dela com raízes numa ideia de música moderna portuguesa que nasceu entre finais de 60 e inícios de 70 com nomes como os de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Fausto, Luís Cília, Vitorino e alguns outros mais. A esta nova voz, que expressava a urgência de um discurso político, aderiram as mais diversas gerações de consumidores de música, incluindo os mais jovens, que ali encontravam uma linha paralela ao sentido de rebeldia e desejo de revolução que é característico da idade... E, perante a força social e mediática da canção política e de uma vaga imediatamente posterior de procura de identidade em manobras de recolha pela música tradicional (por oposição ao folclore de propaganda do antigo regime), a ânsia pop/rock era secundarizada. No entanto, o Rock de terras lusas começava a nascer.

Comecemos pelo final dos anos 60, quando chegam os primeiros projectos verdadeiramente marcantes do Rock português. Entre 1969 e 70 estreiam-se em álbum nomes como a Filarmónica Fraude, Pop Five Music Incorporated e o Quarteto 1111. De inícios de 70 data ainda a entrada em cena de nomes como os Objectivo, Petrus Castrus ou Smoog. Todavia, as regras da época traçavam a estes nomes uma vida essencialmente marginal. Nasceram ainda projectos e aventuras em meados e finais de 70, em bandas como os Tantra, Arte e Ofício, Psico ou Beatnicks. Sem o filtro aplicado no passado escutava-se e consumia-se mais pop/rock de terras de Sua Majestade.

A dificuldade em se ser rockeiro em Portugal
A temperatura do clima político interferiu, portanto, no gosto do consumidor de música e nas opções das editoras discográficas, que mantinham ainda, salvo pontuais excepções, sinais de desconfiança face ao Rock português. Depois de dois anos de intensa exploração da canção política, a ressaca musical manifestou-se num reencontro com a canção ligeira, cedendo espaço a nomes como os Gemini, Cocktail, Doce, José Cid ou mesmo, mais tarde, Marco Paulo.

Júlio Pereira, um dos nomes incontornáveis da música popular portuguesa, que na década de 70 deixou a sua marca em grupos como os Petrus Castrus e os Xarhanga, refere que a missão Rock no Portugal pré-25 de Abril era praticamente impossível: «Estar no Rock nesse tempo era difícil porque muitas vezes acarretava desavenças com a família, com a escola, com os vizinhos e... sobretudo com a polícia...». De facto, logo em 1970, o extremar de posições das autoridades em relação à música ficou claro. No Verão desse ano, um festival em Oeiras, onde deveriam apresentar-se grupos de Rock e alguns cantores como Zeca Afonso, mereceu das autoridades policiais uma forte repressão. A História provou, no entanto, que não se podia parar no tempo e, no ano seguinte, Vilar de Mouros recebeu o primeiro Festival de Rock do nosso país e provou que havia uma nova geração a vibrar com este pulsar eléctrico.

A influência do 25 de Abril no percurso do Rock

“O 25 de Abril foi um marco importante na vida dos portugueses. Mas para o Rock trouxe uma regressão porque as pessoas associaram o estilo de música anglo-americana ao imperialismo”, afirma Filipe Mendes. Júlio Pereira tem outra visão da revolução de 74: “até lá odiava música popular. E não havia em casa o hábito de ouvir fado. O 25 de Abril proporcionou-nos a possibilidade de conhecer muitos sons de instrumentos e vozes da nossa tradição musical”. Outra das coisas que a Revolução dos Cravos proporcionou, pois claro, foi liberdade, valor sem o qual o punk nunca teria surgido em Portugal. Antes do 25 de Abril, um grupo como os Aqui d’El Rock não poderia existir. Só a conquista de liberdade em 74 tornou possível o aparecimento de um grupo deste género. Outrora isso não poderia acontecer, já que qualquer músico Rock que se preze não pode conviver com a censura à sua arte. O primeiro single dos Aqui d’El Rock, datado de 1978, tinha por título «Há Que Violentar o Sistema» e foi uma das primeiras consequências da chegada dos revolucionários ventos punk a Portugal.

Apesar de tudo, não foi logo após o 25 de Abril que se deu o “bang” Rock português. A grande mudança acontece apenas com a alvorada de 80, ultrapassada finalmente a etapa de mais intensa relação do mercado do disco com a canção de intervenção. Nesta época vive-se, então, o aparecimento de grandes nomes como Rui Veloso, GNR, UHF ou Táxi, sendo eles personificação da explosão de entusiasmo juvenil que o resto do mundo havia conhecido nos dias de 60. Aos poucos, o Portugal musical caminhava no sentido da integração europeia.

A explosão do Rock

Nos anos 80 surgem nomes a solo como Rui Veloso e António Variações, e aparece uma imensidão de bandas, quase todas efémeras, como os Trabalhadores do Comércio, Táxi, Roquivários, Grupo de Baile, Salada de Frutas, Táxi ou Heróis do Mar, sendo estas algumas das bandas que agitaram o panorama nacional chegando aos topo das tabelas de vendas, provando que havia mercado para este tipo de Rock comercial, captando a atenção quer dos media, quer do público em geral.
Foi neste momento de sucesso repentino do Rock, após algumas tentativas ligeiras de revolução musical, que apareceram inúmeras bandas, de entre as quais se destacam os Xutos & Pontapés (a mais simbólica de todas), lançando o seu álbum de estreia 1978/82. Estes demonstram existir uma verdadeira mudança na forma de tocar Rock em Portugal, através da instituição de um estilo próprio e de espantosas actuações ao vivo.
Também em 1982 saltam para a ribalta os GNR, oriundos do Porto, criando uma grande legião de fãs, dois anos após a formação da banda, com o lançamento do single "Portugal na CEE". Porém só em 1986 é que saltaram para as tabelas de vendas com o álbum Psicopátria, tendo sido, vários anos depois, em 1992, a primeira banda nacional a encher um estádio de futebol, num concerto ao vivo, com cerca de 40.000 espectadores.
A evolução estava garantida, através de um sem número de bandas, como os UHF, Rádio Macau ou Mão Morta, e pela continuidade de veteranos como os Xutos & Pontapés, levando o Rock
Português em direcção aos anos 90.
Conclusão
Em suma, esta “Rockvolução” pode-se dividir em 3 etapas
- Até 1974
Marcada pelas tentativas várias de se fazer Rock português, tentativas essas abafadas pela repressão, pelas editoras discográficas mais interessadas no Fado e nos intérpretes do movimento nacional-cançonetista, e pelo protagonismo mediático da música de intervenção, de combate às tendências musicais do Estado Novo;
- De 1974 aos anos 80
Maior abertura causada pelo 25 de Abril e fim da censura, que permitem, por exemplo, a ascensão do punk e a maior sinceridade nas letras. Nesta época, o Rock lusitano ainda não era apoiado pelas massas, já que a população, com tendências de esquerda e/ou medo de uma regressão no estado político, social e cultural do país pós-Revolução dos Cravos, identificavam o Rock como sendo algo anglo-saxónico, e assim, imperialista, característica nada louvável depois do 25 de Abril.
- Dos anos 80 até hoje
O surgimento de artistas e bandas com um carisma tal, que as editoras discográficas e a população portuguesa se interessam pelo seu trabalho, como por exemplo Rui Veloso, GNR, Trabalhadores do Comércio, Xutos & Pontapés, António Variações, leva a uma verdadeira explosão de sons importados de fora, mas com essência nacional. O Rock surge assim como uma fuga à música de cariz tradicional e “apenas portuguesa", internacionalizando-se, sempre com os pés nas suas raízes, tendo esta "Rockvolução” dos anos 80 tido repercussões nas duas décadas seguintes.

sábado, abril 25

Cinema: Géninha, Uma Carreira Curta Mas Prometedora

Hoje vou apresentar-vos a carreira de uma actriz portuguesa dos anos 40, Maria Eugénia. Depois deste artigo irei entrar na década de 60 com os filmes sonoros e mais tarde o fim da ditadura.

Nascida numa família de artistas, não admira que também ela viesse a ser uma artista. Maria Eugénia Rodrigues Branco, ou Géninha, nasceu a 1 de Abril de 1927 em Lisboa.

O seu pai e dois tios eram violinistas na Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional e sua irmã, Maria Antonieta, era cançonetista, também ela da Emissora Nacional. Também Géninha se tornou uma artista não só da rádio mas também do cinema.


Foi através de uma fotografia sua que Artur Duarte chamou Géninha para uma audiência para se tornar na protagonista do filme “A Menina da Rádio”, em 1944. Com a sua estreia como actriz, abriram-se as portas da Rádio, cantando nos serões para os trabalhadores na Emissora Nacional.
Como muitos outros filmes, “A Menina da Rádio” estriou em Espanha e foi através desta estreia que o realizador Raul Afonso convidou Maria Eugénia para protagonizar “Os Heróis de 65”.

Depois desta estreia no estrangeiro, entre 1944 e 1948, participou numa cooperação luso-espanhola “O Hóspede do Quarto nº 13”, e noutros dois filmes espanhóis; “Quando os Anjos Dormem” e “Conflito Inesperado”.

Ainda em 1947, Artur Duarte volta a convidar a jovem para participar noutra produção, desta vez “O Leão da Estrela”. Neste filme contracenou com grandes actores portugueses dos anos de Ouro do Cinema Português. Todos eles, desde António Silva, Maria Matos, Milú, Laura Alves, Óscar de Lemos e Curado Ribeiro, ajudaram-na a ultrapassar as suas dificuldades, sendo este o seu último filme.
Após o filme “Quando os Anjos Dormem” onde contracenou com Amedeo Nazzari, é convidada pelo realizador Vittorio de Sica para participar num filme seu. Contudo, Géninha recusa o convite para se dedicar ao casamento e à família que constituiu mais tarde.Apesar de ter imenso talento, a sua carreira apesar de auspiciosa durou apenas 4 anos. Géninha diz terem sido os melhores anos da sua vida e “arrependo-me de não ter continuado naquela vida”.

terça-feira, abril 21

Arte Popular: 25 de Abril

Com o aproximar do 25 de Abril, vou dar um pouco de relevancia ao que foi esse dia marcante para Portugal.

Naturalmente que já ouviste falar no 25 de Abril de 1974, mas provavelmente não conheces as coisas como os teus pais ou os teus avós que viveram nesta época. Sabias que o golpe de estado do 25 de Abril de 1974 ficou conhecido para sempre como a "Revolução dos Cravos"?

Diz-se que foi uma revolução porque a política do nosso País se alterou completamente. Mas como não houve a violência habitual das revoluções (manchada de sangue inocente), o povo ofereceu flores (cravos) aos militares que os puseram nos canos das armas. Em vez de balas, que matam, havia flores por todo o lado, significando o renascer da vida e a mudança!


O povo português fez este golpe de estado porque não estava contente com o governo de Marcelo Caetano, que seguiu a política de Salazar (o Estado Novo), que era uma ditadura. Esta forma de governo sem liberdade durou cerca de 48 anos. Enquanto os outros países da Europa avançavam e progrediam em democracia, o regime português mantinha o nosso país atrasado e fechado a novas ideias. Sabias que Portugal estava tão pobre que as crianças sem dinheiro só podiam ir à escola até à 4ª classe? E os professores castigavam muito os alunos que não aprendiam.


Todos os homens eram obrigados a ir à tropa (na altura estava a acontecer a Guerra Colonial) e a censura, conhecida como "lápis azul", é que escolhia o que as pessoas liam, viam e ouviam nos jornais, na rádio e na televisão. Antes do 25 de Abril, todos se mostravam descontentes, mas não podiam dizê-lo abertamente e as manifestações dos estudantes deram muitas preocupações ao governo. Os estudantes queriam que todos pudessem aceder igualmente ao ensino, liberdade de expressão e o fim da Guerra Colonial, que consideravam inútil.


Sabias que os países estrangeiros, que no início apoiavam Salazar e a sua política, começaram a fazer pressão contra Portugal. Por isso o governante dizia que o nosso País estava "orgulhosamente só". Quando Salazar morreu foi substituído por Marcelo Caetano, que não mudou nada na política. A solução acabou por vir do lado de quem fazia a guerra: os militares. Cansados desse conflito e da falta de liberdade criaram o Movimento das Forças Armadas (MFA), conhecido como o "Movimento dos Capitães".


Depois de um golpe falhado a 16 de Março de 1974, o MFA decidiu avançar. O major Otelo Saraiva de Carvalho fez o plano militar e, na madrugada de 25 de Abril, a operação "Fim-regime" tomou conta dos pontos mais importantes da cidade de Lisboa, em especial do aeroporto, da rádio e da televisão. As forças do MFA, lideradas pelo capitão Salgueiro Maia, cercaram e tomaram o quartel do Carmo, onde se refugiara Marcelo Caetano. Rapidamente, o golpe de estado militar foi bem recebido pela população portuguesa, que veio para as ruas sem medo. Depois de afastados todos os responsáveis pela ditadura em Portugal, o MFA libertou os presos políticos e acabou com a censura sobre a Imprensa.


E assim começou um novo período da nossa História, onde temos liberdade, as crianças todas podem ir à escola e o País juntou-se ao resto da Europa. Mas ainda há muito, muito caminho a percorrer.


informo tambem que os meus artigos vão ser postados daqui a diante as terças-feiras.

segunda-feira, abril 20

Literatura: As palavras do palco e do espectáculo

O assunto que hoje vos trago recordou-me, por alguma estranheza que vos cause nos primeiros tempos, uma questão pouco consensual que dividiu a população portuguesa e que, consoante os anos vão correndo com mais ou menos celeridade, assim a questão se vai apresentando com alguma urgência ou pouca nos diversos países e no seio das suas sociedades. Não me refiro ao problema eleitoral, que esse já vai mais longe e aproxima-se de novo, este ano com grande variedade de processos e de órgãos a eleger, contando, se o bem puder adiantar ao mal, com a minha participação no sufrágio. Refiro-me, sim, ao problema do aborto, que terminou com a aceitação pela larga maioria dos portugueses, repercutindo-se essa escolha numa nova política de assistência médica e de apoio às grávidas que já compreende a liberdade da futura progenitora de tomar uma posição em assuntos que anteriormente competiam simplesmente à autoridade divina ou ao escândalo e clandestinidade. As discussões relativas à ética de tal procedimento rodeavam a questão "será aquele feto uma criança e, portanto, uma pessoa cuja morte é reprovável?", e na verdade aquilo que ali se cria é já uma criança. Surge a problemática de ser possível, ou não, ser-se antes de verdadeiramente o ser. Um feto é um feto, um bebé é um bebé, uma criança é uma criança: todas estas são fases da mesma evolução que temos de atravessar e vencer para chegarmos à idade que hoje nos pertence. Contanto que um feto dispense as características, ou algumas delas, que nos aparecem fundamentais à consolidação da espécie humana, aquilo que ali se cria e ganha forma somente resultará num humano, e nunca num orangotango.

O teatro português, enquanto afirmação de um género literário sólido e que aproveite dos aspectos dos variados movimentos literários que se vão manifestando na cultura, é justamente como um pequeno feto que muitos críticos, historiadores e intelectuais pretendem recusar, recorrendo a um aborto daquilo que já se formou em vários séculos de História. O teatro português, com efeito, faz a diferença numa arte como a literatura, que conhece em Portugal um dos países em que mais ela tem evoluído e conhecendo uma qualidade invulgar, a nível da poesia e do género narrativo. Outros países, como a Espanha, a França e a Inglaterra, viram no seu passado o grande acesso da população aos teatros e a sua preferência evidente por este género de literatura, ao contrário da evolução histórica de Portugal. Para justificar tal fenómeno não ocorre, à grande parte dos estudiosos, uma razão absoluta que tudo consiga explicar e que ouse apontar uma possível solução que vise a criação do panorama teatral português, que nunca foi concluída. No século XIX, dois grandes génios das nossas letras entenderam e escreveram que Portugal não possui, efectivamente, um teatro próprio, para o qual contribuem artistas e conteúdos crescentes: refiro-me a Almeida Garrett e a Eça de Queiroz. Este último deixou a sua grande marca no romance português, na narrativa, considerado ainda hoje o grande romancista do nosso país. O outro, por seu lado e em oposição, foi o grande dramaturgo português após Gil Vicente, e portanto conta-se entre as personalidades que menos fundamentação parecem ter para defender a inexistência de um teatro nacional. Todavia, trata-se de uma personalidade especial, simplesmente especial, a quem nem sempre podemos atribuir a posse da razão: Garrett é tido como o auge do romantismo português e ele próprio negava ser um romântico. Almeida Garrett é, a par de José Saramago, o escritor português que mais capacidades demonstrou na produção dos três géneros literários: narrativa, poesia e drama. Na verdade, Eça e Garrett falavam com sinceridade e com razão suficiente para se recordarem tais afirmações: o teatro português não existe como existe a poesia portuguesa ou o romance português. O teatro português é somente o resultado do trabalho de personalidades isoladas, ou quanto muito de gerações que deram algum protagonismo ao teatro na cena cultural do nosso país. Assim sendo, o teatro português não revê os diversos movimentos artísticos que a literatura conheceu, mas sim divide-se nas produções e nas características dos seus autores.

Antes do século XX, apenas Gil Vicente e Almeida Garrett haviam dedicado à criação dramática os seus preciosos dotes. Nesse século, várias outras personalidades pretenderam dar o seu contributo para a evolução do teatro. Entre eles, com obras de grande importância e relevo, encontramos Fernando Pessoa, Almada Negreiros, António Patrício, Júlio Dantas, Raul Brandão, José Régio, Jorge de Sena e, mais tarde, Bernardo Santareno, Luiz Francisco Rebello, José Cardoso Pires e Luis de Sttau Monteiro. A divisão de autores a que procedi não carece de legitimação: fi-lo pela convicção de que o teatro português do século XX pode, e deve, ser estudado com base em duas fases. Primeiro, encontramos os modernistas e Júlio Dantas, que ambicionaram dar um novo fulgor à dramaturgia e lhe concederam um toque muito especial das suas características. Depois, a partir dos anos 50, a produção dramática baseou-se no conceito do neo-realismo e, em alguns casos, no teatro de Brecht - uma concepção criada por Bertolt Brecht, dramaturgo alemão, que defendeu uma revisita ao passado como um apelo à consciência do presente; estudar a História de um país ou de um povo para melhor se entender o ambiente presente e os problemas que se colocam hoje. A obra Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro, é o ícone português do chamado teatro de Brecht, e o seu carácter interventivo impediu-a de ser representada antes do 25 de Abril de 1975.

Luís de Sttau Monteiro nasceu no início do mês de Abril do ano de 1926, na capital, onde também viria a morrer no Verão de 1993. Seu pai exercia diplomacia, e Salazar ofereceu-lhe o cargo de embaixador de Portugal em Londres; Sttau Monteiro tinha poucos anos de idade. Graças ao cargo do pai, viria a crescer na "livre Inglaterra", como lhe chamava o Presidente do Conselho, longe da pátria, mas perto tanto dos problemas portugueses que se conheciam no estrangeiro como das mais modernas tendências da arte, num país onde sempre confluíram muitos artistas de todas as áreas. Tomou conhecimento, naturalmente, com o conceito de teatro de Brecht, que mais tarde introduziria na realidade portuguesa. Aquando da demissão do seu pai do dito cargo, por ordem de Salazar, Sttau Monteiro regressou a Portugal, onde, por poucos anos, exerceu advocacia. Acabaria por se notabilizar como escritor, principalmente dramaturgo. Em 1961 publicou a sua reconhecida obra Felizmente Há Luar!, texto que lhe valeu o Grande Prémio de teatro. Porém, o organismo de censura do Estado Novo não autorizou a representação da peça de Sttau Monteiro, quebrando a relação autor-obra-público, que no teatro se assume mais importante ainda que nas demais formas de arte. A sua publicação somente para leitura, no entanto, fez com que a mensagem da obra chegasse a algum público, mais restrito e com acesso mais fácil às produções literárias nacionais e à sua compreensão.

José Saramago, como já referi atrás, é um escritor completo, com obras de qualidade no campo narrativo, lírico e dramático. Entre as suas obras em drama sugiro a esplêndida A Noite: aclamada como a melhor peça de teatro representada em Portugal no ano de 1979. Não obstante estes sucessos e esta qualidade que lhe é plenamente reconhecida interna e internacionalmente, Saramago surge no conjunto dos mais fabulosos artistas portugueses de sempre pelos seus romances. José Saramago, o escritor português mais importante do século XX, a par com Fernando Pessoa, será o tema dos próximos cinco artigos acerca de literatura neste blogue.

domingo, abril 19

Cinema: Manuel Guimarães- Uma Vida Censurada

Manuel Guimarães nasceu em Albergaria-a-Velha no ano de 1915. A sua carreira de cineasta destacou-se entre outros profissionais da altura da mesma arte pela tentativa de introdução do neo-realismo nas suas obras muito censuradas.

Após ter concluído o Curso Geral de Liceus, em 1931, frequentou o Curso de Pintura na Escola de Belas Artes do Porto. A partir de 1936 Manuel Guimarães dedica-se como decorador teatral, ilustrador e caricaturista. Foi como desenhador de cartazes para o cinema, assinando como “Magui”, que se apaixonou pela 7ª arte. Assim começou a trabalhar como assistentes de outros importantes cineastas como Manoel Oliveira, António Lopes Ribeiro, Jorge Brum do Canto, Armando Miranda e Artur Duarte, em 1942.
A sua primeira obra foi um documentário de curta-metragem “O Desterrado”, em 1949, sobre a vida e obra do escultor Soares dos Reis. Esta sua primeira obra valeu-lhe o Prémio Paz dos Reis atribuído pelo Secretariado Nacional de Informação. Entusiasmado pelo prémio realizou a sua primeira longa-metragem “Saltimbancos”, em 1951, adaptada da obra de Leão Penedo.

Em 1952, tal como Leitão de Barros, realiza o filme “Nazaré”, no qual teve a participação de Alves Redol, baseado na vida de uma vila piscatória de Nazaré, mas com uma perspectiva mais social. Contudo, a Censura põe em acção o seu lápis azul cortando diversas cenas. Todavia, o filme “Vida sem Rumo”, em 1956, sofreu graves cortes, ficando cerca de metade do filme cortado tornando cenas incompreensíveis.


Querendo continuar as suas obras, Manuel Guimarães faz incursões pelos documentários, como “As Corridas Internacionais do Porto”, em 1956, “O Porto é Campeão”, em 1956, e “XXX Volta a Portugal em Bicicleta”, em 1957. Realizou também “A Costureirinha da Sé” no ano 1958, que teve pouco sucesso e tendo carácter de publicidade de certas marcas como muitas outras obras de Manuel Guimarães.
A carreira do cineasta Manuel Guimarães foi marcada pelos documentários realizados por si, apresentando obras de cultura portuguesa como “O Ensino das Belas Artes”, 1967; “Tapetes de Viana do Castelo”, 1967; “António Duarte”, 1969; entre muito outros.

Com a chegada da “Revolução dos Cravos” e consequentemente a abolição da Censura, uma nova luz aparece na vida e carreira de Manuel Guimarães. Porém, a luz depressa murcha. O cineasta adoece gravemente, acabando por morrer em 1975, deixando “Cântico Final” (titulo que poder caracterizar a sua última esperança), fica por concluir, sendo o seu filho Dordio Guimarães essa tarefa.

Apesar da sua morte, ficou a sua vontade de introduzir novos conteúdo na sétima arte portuguesa. A sua obra ficará e consigo a sua carreira impedida de avançar e brilhar ainda mais!

Filmologia

O Desterrado - 1949
Saltimbancos - 1951
Nazaré - 1952)
Vidas Sem Rumo - 1956)
As Corridas Internacionais do Porto - 1956)
XXX Volta a Portugal em Bicicleta - 1957)
O Porto é Campeão - 1956)
A Costureirinha da Sé - 1958)
Barcelos - 1961)
Porto, Capital do Trabalho - 1961)
Bi-seculares - 1961)
Crime de Aldeia Velha - 1964)
O Trigo e o Joio - 1965)
Artes Gráficas - 1967)
O Ensino das Belas-Artes - 1967)
Porto, Escola de Artistas - 1967)
Tapetes de Viana do Castelo - 1967)
Tráfego e Estiva - 1968) - primeiro filme português em 70mm
António Duarte - 1969)
Fernando Namora - 1969)
Resende - 1969)
Viagem do TER / Expressos Lisboa-Madrid - 1969)
Areia, Mar - Mar, Areia - 1970)
Cântico Final – 1976 (terminado pelo seu filho)

quinta-feira, abril 16

Pintura: Alice Jorge, A Artista

Aproveitando o anterior artigo em que apresentei o Museu do Neo-Realismo, no artigo de hoje falar-vos-ei de uma artista plástica cujo nome foi referido na exposição deste museu. Esta artista chama-se Alice Jorge e ficou conhecida como pintora, gravadora e ceramista.

Alice Jorge nasceu em 1924 e veio a morrer a Fevereiro de 2008. Frequentou a Escola Superior de Belas Artes, porém não pôde concluir o curso devido a um professor que teimava em chumbar todos os alunos que viessem da Escola António Arroio. O que a levou a concluir os seus estudos no Porto, assim como Júlio Pomar com quem teve casada durante vários anos.

No inicio Alice Jorge esteve relacionada com o neo-realismo, desenvolvendo um trabalho muito particular centralizado na representação da mulher. Mais tarde prosseguiu por outros caminhos na área da pintura, destacando-se o abstraccionismo. A artista começou por expor os seus trabalhos nos anos 50 e já no fim desta década, em 1956, foi uma das fundadoras da Cooperativa de Gravadores Portugueses que tem o nome de Gravura. Esta cooperativa ainda existe actualmente e teve um importante papel na renovação da gravura no nosso país.

A partir de 1960 que Alice Jorge participou em diversas exposições individuais em Lisboa e no Porto. Em 1972 a Fundação Gulbenkian, em Lisboa, apresentou uma retrospectiva da obra da artista.


Para além do seu trabalho com pintora e gravadora, a artista Alice Jorge também se distinguiu na ilustração de livros. Colaborou na ilustração de obras de autores como Aquilino Ribeiro, Matilde Rosa Araújo e David Mourão Ferreira. Também ilustrou edições portugueses de livros estrangeiros reconhecidos como Decameron, Mil e Uma Noites, Novelas Exemplares de Cervantes e a Divina Comedia.

Apesar de ter frequentado o curso de Pedagogia na Faculdade de Letras em Lisboa, Alice Jorge não ensinou em nenhuma escola pública do país até depois de 1974, situação decorrente da oposição da artista ao regime. Já nos anos 90 a artista foi representada pela sua obra gravada na Bienal de Gravura da Amadora, em 1992, e cinco anos mais tarde recebeu o Grande Prémio de Aquisição.

Alice Jorge foi uma artista extremamente importante para a arte em Portugal no século anterior, deixando a sua herança não só através das suas obras como também através do facto de ter sido uma mulher bastante forte e determinada no mundo artístico, que ainda é maioritariamente dominado por artistas do sexo masculino.


«"Uma mulher extraordinária", não apenas pelos seus "altos méritos artísticos e pedagógicos", mas também pela "coerência e dignidade" com que, "antes e depois do 25 de Abril, sempre se envolveu em grandes causas humanas e políticas, e defendeu os valores da liberdade e da democracia".» in PÚBLICO 19-02-2008

segunda-feira, abril 13

Literatura: Um rosto na intervenção

A sucessão de feitos e contrariedades que se assomam à História do nosso país em nada prejudicou a qualidade dos escritos produzidos por mãos dos nossos conterrâneos. Pelo contrário. Isto é, os acontecimentos, o que foi sucedendo aqui e além de bom e de ruim ao nosso país, apenas, em literatura, fez brotar a ansiedade, a insaciedade, a procura de energia colectiva que tarda em se mostrar devidamente útil, conforme se mostrou em variados períodos que o tempo fez o seu serviço de levar longe. É bem verdade que esta situação não se sujeitaria a ocorrer se a literatura consistisse apenas no produto da mente humana, na sua mais elevada criação, vinda do poder criativo da imaginação de cada um. Todavia, como se reconhece, esta arte é bastante mais, e a arte em si, acima de qualquer meio de a representar, é alimentada das emoções e da realidade, tornando-se um campo realista e efectivo: mais do que retratando a realidade puramente ou tentando afastar-se dela através de uma evocação mais assertiva aos sentimentos que nos enchem, a literatura reflecte a nossa espiritualidade real, aquilo que nos cerca e que nos leva à escrita ou ao gosto pela leitura de diversos temas em determinadas circunstâncias: a arte revela sonhos, receios, aquilo que jamais podemos afastar do que somos e que caminha sempre ao nosso lado, por vezes em passadas mais largas que as nossas e que nos fazem acelerar o passo com que atravessamos a nossa vida.

E Portugal, este nosso país que é o meu orgulho pela força que tem e que não revela, quase numa desconfiança despropositada sobre os seus defensores, com a História, afastada ou recente, que tão bem conserva na memória, consegue privilegiar a produção literária. A literatura de intervenção é produto dos males que se abatem sobre uma nação, qualquer uma, e é o rosto aperfeiçoado da insatisfação e dos desejos partilhados entre a maioria dos cidadãos da mesma pátria ou do mesmo mundo. Em nenhum período da nossa História a literatura de intervenção adquiriu a intensidade do período do Estado Novo, durante mais de quarenta anos no século XX. Os autores, trabalhando clandestinamente para precaução pessoal contra o exame-prévio do regime autoritário, escreviam acerca dos desejos de toda uma população de ver estabelecida uma ordem diferente, procurando a concessão de tantas liberdades quantas desejavam possuir, como uma forma de não permanecerem à margem do bem-estar e prosperidade do mundo que se desenvolvia além das nossas fronteiras com a Espanha e com o oceano. A literatura, por se expressar através das palavras, que, em todas as medidas, indubitavelmente, são utilizadas no quotidiano, revela-se uma arte muito poderosa na divulgação de um pensamento ou de uma ideia. Em paralelo com as produções culturais que o Estado Novo incentivava, como o Fado, a literatura de intervenção estendeu-se a todos os ramos da literatura, alcançando públicos variados: através da narrativa, do drama e da poesia. A narrativa de intervenção é pouco conhecida por estes termos. Os romances criados com o intuito de intervir social e politicamente compreendiam-se num movimento cultural já estudado: o neo-realismo, que denunciava as dificuldades e injustiças vividas pelas classes trabalhadoras e apontava o socialismo como possível solução para as calamidades sociais. No teatro, cuja produção nunca foi muito significativa em Portugal e em muitos outros países, esquecemos muitas vezes de notar nas mensagens que as produções pretendem transmitir e incutir junto dos espectadores. Do teatro do século XX falarei no próximo artigo. Pois, verdadeiramente, a literatura de intervenção, dando-lhe este mesmo nome, assume-se na poesia, uma vez que o ritmo dos versos e as rimas permitem a fácil memorização do próprio poema. Além destas duas características, e até mais fundamental, há que a poesia, como nenhuma outra produção literária, tem a capacidade de facilmente ser cantada, se integrada numa composição musical. E a canção, essa sim, que conjuga a literatura e a música, é o meio privilegiado de fazer passar uma mensagem: aqui está por que o principal rosto da intervenção portuguesa, não contando com personagens políticas, é o músico José Afonso.

Manuel Alegre, nascido em 1936, é um rosto reconhecido da poesia de intervenção política nacional, além de as suas convicções e espírito de mudança o terem feito, igualmente, deputado. Cursou Direito na Universidade de Coimbra; e no período do Estado Novo foi um dos rostos da oposição ao regime Salazarista. Aos vinte e dois anos de idade, Alegre manifestou o seu apoio a Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958. O nome de Manuel Alegre acabou por ressoar nos ouvidos pouco desejados da administração de Salazar, o que levou Manuel Alegre a ser chamado para a guerra de Angola, contra a qual se manifestava abertamente. Claro está, porém, que qualquer português da sua idade, mesmo apoiando firmemente as políticas de Oliveira Salazar, acabaria chamado para a guerra colonial em África. No entanto, o afastamento de Manuel Alegre da sua pátria apetecida só contribuiu para a oposição mais activa e convicta deste poeta jovem, que, segundo o próprio, herdou de sua mãe o espírito de intervenção e não o conformismo. Mais tarde, quando se viu regressado a Coimbra, foi enviado para o exílio na Argélia, onde permaneceu, expatriado, por dez longos e tenebrosos anos. É de verdadeiro patriótico ficar dez anos afastado do seu país e lutar, mesmo à distância, para que este encontre um novo rumo mais favorável, ao invés de esquecer, por mera insistência e insensatez, os seus sonhos. No exílio escreveu o mais reconhecido dos seus poemas, Trova do vento que passa:

"Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país. (...)

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não."

Após a revolução de 25 de Abril, Manuel Alegre pôde, em segurança, regressar ao nosso país, e contribuir eficazmente para a instauração de uma democracia, como sempre defendeu ser justo e meritório a uma nação unida. Entrou no Partido Socialista ao lado de Mário Soares, onde hoje continua, apesar de protestar constantemente contra a tendência à direita desse partido, tradicionalmente de centro-esquerda. Essa situação fê-lo, por várias vezes, alinhar o seu voto com os projectos do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda. Assim, o seu projecto político para o nosso país é a consolidação de uma democracia, mais à esquerda do que o Partido Socialista dos dias de hoje, consciente das condições de vida das classes mais desprotegidas e propondo a defesa dessas camadas da sociedade, optando visivelmente por um modelo socialista.

A intervenção, uma vez iniciada, não me parece que deva cessar no campo das letras e no pensamento dos intelectuais deste país e do nosso mundo. Por muito que se faça em caminho da perfeição e dos ideais vistos e revistos, e mesmo na sua direcção, que ninguém se iluda; a perfeição de sociedade, de vida, é inalcançável com o corpo, apenas passível de ser imaginada e desfrutada de olhos cerrados numa realidade que não existe. Estamos hoje ainda longe de conhecer o que idealizamos, contudo bem mais próximos do que há várias décadas atrás. Sempre haverá trabalho a fazer; nunca haverá plena satisfação em nada, nem com trabalho, nem com inércia. E eu mesmo, que por vezes me retenho na escrita, na esperança sempre viva de ver redigido o poema da minha existência ou o espelho verbal do meu inconsciente, perco-me em incertezas e parto na escrita de desejos e de projectos para a sociedade a que pertenço. E em cada vez que me debruço sobre essas questões, de novo me surgem campos de acção diferentes em que devo, primeiramente, intervir, como que para dar início a uma luta que reunirá mais apoiantes e gente que manifeste descontentamento perante o mesmo facto. Que revolta nascerá das nossas forças se elas não se unirem? Que azul nos libertará do céu encoberto se prevalecer a indolência? Que Deus subirá aos Céus se sempre o envergonharmos? Se o poder das minhas palavras fosse o de contrariar qualquer adversário ao progresso da civilização, o meu primeiro passo seria a revolução cultural, partindo da exterminação e aniquilação mais que efectiva dos publicadores literários do meu bonito país que pouco bonitos são, que gravemente desconhecem o que é literatura e privilegiam o dinheiro no campo que haveria de ser regido pela ideia e pela mestria. Portugueses de todo o mundo, uni-vos. Publicadores de todo o mundo, matai-vos.

domingo, abril 12

Música: Carlos Paião...Génio! (?)

Faleceu hà 20 anos e poucos meses um dos mais conhecidos e respeitados intérpretes lusos de sempre. Gravou apenas dois álbums de originais, lançou 13 singles (número curioso), e escreveu para artistas tão distintos como Herman José e Amália, Cândida Branca Flor e Alexandra. Em 1981, o ano de “Pó de Arroz” e “Eu não sou poeta”, concorre ao Festival da Canção com o tema “Playback”, tema esse muito popular até nos dias de hoje, mas que conseguiu apenas, na Eurovisão, o penúltimo lugar.

Pensava eu, na minha doce ignorância, que existia consenso de opiniões sobre o contributo de Carlos Paião para a música portuguesa e da sua qualidade como autor e cantor. Porém, enganava-me. No outro dia, pesquisando na Internet a biografia de Paião, encontrei, num blog, uma verdadeira discussão acesa acerca da qualidade, mérito e seriedade do trabalho do autor de “Ga-gago”. Haviam argumentos pró-Paião para um lado, argumentos contra-Paião para outro, e as duas pessoas envolvidas na discussão pareciam não ceder, nem chegar a uma conclusão razoável, ou um ponto de equilíbrio entre a opinião de ambas. Decidi então tentar chegar a essa conclusão, que espero não precipitada, na redacção deste mesmo artigo. Assim, expor-vos-ei ambos os pontos de vista, para no fim concluir algo, sendo que essa conclusão pode ser, claramente, discutível e não definitiva, como todas as conclusões são, que de conclusivas nada têm.



O ponto da questão era então o seguinte. O autor do artigo sobre Carlos Paião chamava-lhe, entre outros adjectivos, de génio. Por outro lado, um leitor do blog decide expressar a sua opinião, dizendo-lhe que Carlos Paião era tudo, menos um génio, considerando-o sobrevalorizado e inferior a outros artistas da época. Sintetizando, esse senhor, o da opinião, afirmou que:

· Havia melhores intérpretes de música pop na altura, como Armando Gama, Doce, José Cid e Cândida Branca Flor, sendo assim injusto para os outros o destaque que Carlos Paião sempre teve a mais;
· O seu impacto maior deve-se ao facto de ter morrido cedo, sendo que se criou um culto do mito à volta disso;
· A sua voz era muito fraca, e sem comparação com a de alguns grandes intérpretes portugueses;
· Carlos Paião não passava de um compositor de músicas festivaleiras, notando-se aqui uma tentativa de descredibilização do pop alegre do intérprete.

Claramente se nota que todos estes argumentos são refutáveis, e que se pensarmos um pouco, soam a perspectiva forçada. Passemos então à contra-argumentação:

Mesmo antes de falecer, Paião já tinha mais sucesso e uma carreira mais sólida que a carreira de todos os nomes mencionados acima e todos os outros. Se não acredita, veja a quantidade de singles de por ele produzidos, sendo que a maioria deles chegou ao nossos dias, conquistando, geração após geração, Portugal. Não foi apenas uma canção que ele deixou como herança aos jovens, e às rádios, um par de singles de sucesso. Foi um verdadeiro espólio de relíquias, que são hoje recordadas pelos que viveram no tempo de Paião, e re-interpretadas pelos novos artistas lusitanos (veja-se a compilação de homenagem a Paião, lançada no ano passado). E mesmo aqueles artistas que não cantam as suas músicas e letras, o têm como uma das principais influências artísticas, sendo Paião, a par de Amália, o nome mais mencionado como inspiração da nova música portuguesa, sendo ela ligeira, fado ou hip-hop. A sua carreira nunca morreu, mesmo com a sua morte. E o facto é que houve carreiras que morrerão após um par de singles de sucesso, apesar dos artistas não terem falecido. Desta geração, apenas José Cid sobreviveu com igual saúde (além do anterior Variações);

A morte precoce de interpretes de sucesso leva a um grande problema, de seu nome, extremismos. Por um lado temos os que elevam o intérprete à figura de herói e lenda, e do outro os que subvalorizam o seu trabalho, afirmando que o seu sucesso no agora, se deve somente à carreira curta, mas intensa. Carlos Paião é um dos exemplos de artistas que partiram mais cedo do que deviam, e que têm a sua obra no meio destas duas opiniões extremistas, tal como Kurt Cobain, Jim Morrison, Janis Joplin e António Variações. Mas a verdade é que ambas as opiniões devem ser revistas pelos seus doutores. Em primeiro lugar, o mitificar é pouco correcto. Então, apenas se valoriza os artistas após mortos? Só os que faleceram cedo é que são porreiros? Não. Não pode ser assim. Os artistas, depois de mortos, valem o que foram em vida. E há artistas vivos de qualidade inimaginável. Em segundo lugar, não se pode dizer que o sucesso apenas provém da morte que chegou cedo. O caso de Paião é flagrante! Em apenas 10 anos, escreveu centenas de letras, compôs outras tantas canções, e interpretou músicas de sucesso, da sua humilde, mas complexa autoria. Não é qualquer um que consegue marcar a indústria musical portuguesa em tão pouco tempo, marca essa que se prolonga pela superfície dos anos que passaram. Em 10 anos nunca plagiou, não se deu ao desperdício de fazer composições menores, e seguindo o rumo que o pop português levava (sendo que Paião não foi o pioneiro no género) fê-lo evoluir. E isto é verdade;

O Carlos Paião cantava bem. Ponto. Não é necessário um vozeirão para se ser um cantor de influência inegável e qualidade superior. Não se precisa de prolongar a nota por muitos segundos, ou de se chegar a todas as oitavas, para se ser um bom intérprete. Há quem tenha grandes vozes, com mais amplitude, treino e técnica que a de Paião, mas essas pessoas normalmente desperdiçam-na em composições menores, letras medíocres ou numa carreira de bar de hotel. O no tão conveniente recorrer ao plágio, ou ao cover, ou à versão;

Sempre houve um grande preconceito acerca da música levada festival, considerada por muitos, lixo comercial. Porém há quem se esqueça que esta era a única montra de música nacional na época. Uma das únicas maneiras de novos letristas e compositores se mostrarem ao país e ao mundo, e não se pode considerar que o que é feito de Eurovisão não tem qualidade (que pecado dizer que Ary dos Santos, Carlos Paião e Rosa Lobato Faria são produtos sem essência!). Além de que Carlos Paião não fez músicas apenas para o festival. Tinha um repertório próprio! Ele não era simplesmente "Playback" e "Vinho do Porto"...era muito mais;

O género de música que ele cantava era pop. E o pop não pode ser visto como um estilo musical inferior a outros, como o rock ou o soul, apenas porque possui refrões orelhudos, instrumentais pastilha elástica e a sua função é entreter. Todos os géneros musicais devem ser aceites, ainda que os não apreciemos. Tudo depende do gosto de cada um. Além de que não podemos generalizar. Nem tudo o que se faz no pop é mau, nem tudo o que se faz no rock é bom, nem tudo no soul é uma jóia, nem tudo na música clássica é uma pérola. Há quem se distinga dos demais, no seu género. E Carlos Paião claramente se distinguia no seio do pop nacional.



Concluindo, não podemos ver Paião apenas como apenas mais um festivaleiro. Paião foi grande. 300 letras fabulosas em 10 anos, composições de não esquecer, e uma influência enorme e inigualável no panorama actual apenas nos provam que ele não era apenas mais um. Era o tal, um dos grandes da música do país à beira mar plantado.
Em termos de sonoridade pop, Paião era de facto originalíssimo, conseguindo agradar a gregos e troianos, a massas e a revoltados com a música comercial.


Mas não podemos chamá-lo de "maior revolucionário na música portuguesa". Embora o pop português tenha avançado através da sua obra, o facto é que ele não criou um género novo, apenas se limitou a seguir a corrente que começava na altura e a fazê-la evoluir. Ou seja, Paião não mudou tudo, e não foi o primeiro a colocar os tijolos do pop português. Mas o que ele fez com este género musical (levá-lo a outro patamar) é de louvar aos céus, e se Carlos Paião não era um génio, estava perto disso.

sábado, abril 11

Cinema: José Leitão de Barros - A Alma Inovadora

Hoje e no meu próximo artigo irei apresentar-vos duas biografias de dois cineastas portugueses.

Leitão de Barros nasceu em Lisboa a 22 de Outubro de 1896. Na mesma cidade morreu a 29 de Junho, 71 anos depois, em 1967. O seu trabalho distingue-se pelo sentido estético das suas obras e por ter realizado a primeira docuficção e a segunda etnoficção da história cinematográfica – “Maria do Mar”, 1930.

Até começar a sua carreira de cineasta frequentou diversas faculdades de Lisboa, leccionou matemática e desenho no Liceu Passos Manuel em Lisboa, frequentou o curso de Arquitectura e em 1916 enveredou pelo jornalismo escrevendo artigos, reportagens, entrevistas, crónicas e até criticas de arte.

As suas primeiras obras foram os filmes “Malmequer” e “Mal de Espanha” seguidos de uma reportagem “Sidónio Pais – Proclamação do Presidente da República”.

Com “Malmequer”, José Leitão de Barros revela o seu cuidado com os cenários e figurinos, característica dos seus filmes históricos, apresentando um melodrama do século XVIII. Nas suas primeiras obras Leitão de Barros aplicava a técnica de tintagem, que consistia na coloração da película com o intuito de salientar sentimentos e para a distinção do dia/noite ou exterior/interior.
Durante dez anos, desligado das realizações cinematográficas, dedicou-se ao teatro, como dramaturgo, escrevendo peças, e como cenógrafo, ajudando na concretização de diversas peças. Dedicou-se também à pintura expondo as suas obras em galerias portuguesas, espanholas e brasileiras. Assim recebeu diversos galardões.

Em 1926, com “Festas de Curia”, é um sinal do regresso de José Leitão de Barros ao cinema. Através desta película é evidenciado o seu interesse pelas tradições da cultura popular, o que estará presente em muitas outras obras.

Um ano mais tarde, em 1927, realiza um documentário que se destacaria de todas as suas obras até então realizadas, “Nazaré, Praia de Pescadores”. Um documentário onde é focado a relação entre o Homem e a Natureza.

Com o inicio da década de 30 vem não só novos projectos mas também consagrações. “Lisboa, Crónica Anedótica” e “Maria do Mar” ligam-se entre si através da preocupação estética de Leitão de Barros apesar da diferença do seu conteúdo. “Lisboa, Crónica Anedótica” relata a vida quotidiana num estilo simultaneamente poético e humorístico algo inovador no cinema português.

“Maria do Mar”, em colaboração com António Lopes Ribeiro, é considerada uma relíquia do cinema mudo português, estando representado em cinematecas de diversos países como Londres, Nova Iorque, Tóquio e Moscovo. Com o recurso aos grandes planos, exibição do desenho sensual dos corpos contrastando com a força dos elementos e a excelente combinação dos actores, de figurantes e de gentes da Nazaré permitem encontrar no filme o modernismo que até hoje apresenta.

Querendo dar o passo seguinte da inovação no cinema português, viu-se impossibilitado de avançar devido há falta de estúdios portugueses equipados para a realização de filmes sonoros. Ainda assim, com as dificuldades, realizou “Severa” adaptada da peça de Júlio Dantas. Para a realização desta película, Leitão de Barros divide-se entre Portugal, onde filmou as cenas exteriores (sem som), e França, para as cenas interiores e onde se sonorizou o filme. Esta película apresenta elementos susceptíveis ao agrado do público: as diferenças sociais, a tragédia da protagonista e o Fado que conquistava o seu lugar nas rádios portuguesas.

“Severa” teve grande sucesso comercial evidenciando assim a necessidade da construção de estúdios adaptados para os novos filmes. Assim, em 1932 José Leitão de Barros foi um dos principais entusiastas na construção da produtora português da nova geração, a Tobis Portuguesa.

Ainda na década de 30 as atenções de José Leitão de Barros dividem-se entre o cinema e a coordenação de cortejos e marchas populares, festas organizadas por órgãos do governo, assimilando-se o seu nome ao Estado Novo.

Em 1937, com algumas cenas do filme “Maria Papoila” e ainda com documentários, “Legião Portuguesa” e “Mocidade Portuguesa”, ligam ainda mais o seu nome ao regime.

Patrocinado pelo Secretariado de Propaganda Nacional e com o apoio e elogios de António Ribeiro, a obra “Ala-Arriba” foi o primeiro filme português a ganhar um prémio estrangeiro, sendo ele a Taça Biennali da Bienal de Veneza em 1942.

Sendo na altura o Brasil importante mercado para os filmes portugueses, e com apoios tanto de Portugal como do Brasil, José Leitão de Barros vai para o Rio de Janeiro com Amália Rodrigues para realizar “Vendaval Maravilho”, em 1949, com a ambição do mesmo sucesso dos filmes “Capas Negas” e “Fado - História de um Cantadeira”. Contudo o filme não teve a sorte procurada. Uma das principais críticas é direccionada para o facto de Amália pouco cantar ao longo do filme. “Vendaval Maravilhoso” teve tão elevados custos de produção que nem os ganhos nas bilheteiras iriam recuperar todos os gastos.

Após este fracasso de produção entre Portugal e Brasil, as cooperações entre os dois países tornaram-se extintas e José Leitão de Barros dedica-se então a documentários nas próximas décadas, 50 e 60.

Nos últimos anos da vida do cineasta, Leitão de Barros dedicou-se ao jornalismo, tendo também escrito um livro compilando as suas crónicas intituladas “Corvos”.

Filmologia:
· Mal de Espanha – 1918
· O Homem dos Olhos Tortos – 1918 (inacabado)
· Malmequer -1918
· Sidónio Pais – Proclamação do Presidente da República – 1918 (obra não sobreviveu)
· Nazaré, Praia de Pescadores – 1929 (perdeu-se a 2º parte)
· Festas da Cúria – 1927
· Lisboa, Crónica Anedótica – 1930
· Maria do Mar – 1930
· A Severa – 1931
· As Pupilas do Senhor Reitor – 1935
· Bocage – 1936
· Maria Papoila – 1937
· Legião Portuguesa – 1937
· Mocidade Portuguesa – 1937
· Varanda dos Rouxinóis – 1939
· A Pesca do Atum – 1939
· Ala-Arriba – 1942
· A Povoa de Varzim – 1942
· Inês de Castro – 1944
· Camões – 1946
· Vendaval Maravilhoso – 1949
· Comemorações Henriquinas – 1960
· A Ponte da Arrábida Sobre o Rio Douro – 1961
· Escolas de Portugal – 1962
· A Ponte Salazar Sobre o Rio Tejo – 1966

quinta-feira, abril 9

Pintura: Museu do Neo-Realismo

Já há algum tempo que eu e os restantes elementos do grupo fazíamos questão de ir visitar o Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira, tanto por ser um museu do nosso interesse e que se encontra perto, como por ser uma visita que nos ajudaria para o projecto que estamos a levar a cabo em Área de Projecto. Assim, decidi fazer este artigo baseado na visita a este museu.

No passado dia 8 de Abril o grupo “Os Fígaros” dirigiu-se a Vila Franca com o intuito de visitar o Museu do Neo-Realismo. Como visitámos este museu durante as férias, impossibilitando que todos os elementos fossem.

O museu está actualmente dividido em quatro exposições: “The return of the real 6 – Miguel Palma” uma exposição contemporânea do artista Miguel Palma, “Mário Braga – um escritor no reino circular” uma exposição biográfica do escritor Mário Braga, “Batalha de Sombras” uma colecção de fotografia portuguesa dos anos 50, e “Batalha pelo Conteúdo” uma exposição sobre o movimento neo-realista português.

Apesar de todas as exposições serem bastante interessantes, neste artigo irei focar somente a última exposição, dando um especial destaque para o neo-realismo português nas artes plásticas. A exposição “Batalha pelo Conteúdo” é a principal exposição deste museu, ocupando assim dois pisos e expondo, através de diversos documentos, o movimento neo-realista português nas várias artes: literatura, artes plásticas, música, teatro e cinema.

Durante a exposição pude entender melhor este movimento na pintura, assimilando conceitos e situações que o marcaram. Porém a exposição não possuía muito espaço e documentos relativos ao neo-realismo na pintura, pois este movimento tem maior destaque na literatura.

No início da secção dedicada às artes plásticas está exposta uma afirmação que sintetiza a pintura neo-realista e a sua importância: “Movimento cultural de expressão maioritariamente literário, o neo-realismo português teve nas artes plásticas um momento de eufórica utopia, como afirmação voluntária de uma nova geração que aí se ancorava no intuito de contribuir para a prometida mas nunca concretizada democratização do regime.Com efeito, o movimento do neo-realismo significara para uma parte significativa dos jovens artistas da terceira geração modernista não só uma mais forte e arrojada opção estética face ao modernismo academizado da segunda geração, como uma rara oportunidade de reflexão humanista que alimentaria a esperança de uma verdadeira transformação progressista da sociedade portuguesa. De Júlio Pomar a Rogério Ribeiro, ou do teor polemista do suplemento “Arte”, publicado ao longo de 1945, à divulgação de uma prática artística pluridisciplinar nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (1946-1956), o neo-realismo visual afirma-se sobretudo na proporção das esperanças oposicionistas do imediato pós-guerra. Se com elas se projectou como espécie de vanguarda artística, logo se desvaneceu nas desilusões políticas que o final dessa década trouxera à soturnidade da vida portuguesa.”

Nesta mesma secção eram realçados os artistas que se destacaram na pintura e ilustração neo-realista, desde nomes já reconhecidos e já referidos neste blogue como Júlio Pomar e Rogério Ribeiro até outras personalidades como Álvaro Cunhal.
Em forma de conclusão, proponho desde já a visita uma vez que é um museu interessante e acessível, pois além de ser já aqui ao lado a entrada é gratuita. É uma fantástica maneira de ficar a conhecer este movimento nas diversas artes incluindo aquelas, como a pintura, de que não existe muita informação disponível.

segunda-feira, abril 6

Literatura: A fase do Existencialismo

"O mais é o tropear dos dias em que se pulverizam os sonhos que sonhámos, as palavras que dissemos e as que em resposta no-las formularam inúteis, o sobressalto que nos agitou e em que centrámos a vida toda, a beleza que julgámos revelar e não era, o suor de um esforço vão, as perguntas que perguntaram e as respostas que nem sempre responderam, o absoluto em que nos jogámos, mesmo o disséssemos relativo, e o relativo que estava no absoluto ou menos ainda, a procura repetida, o soluço baudeleriano que passa através das eras e morre aos pés da inatingível eternidade, a pequena onda inútil que outra onda negou e foi onda necessária para que o mar se cumprisse, o destino executado na humildade com que o reconhecemos, aceitámos, levámos até ao fim. O mais, em suma, e como sabemos, é silêncio..."

Este excerto que terminei de vos fornecer integra a obra Aparição do romancista português Vergílio Ferreira, de que vos falarei hoje por quase necessidade que ocorre. Este nome apresenta-se ligado à corrente existencialista, sendo o maior vulto deste movimento literário no nosso país e das suas grandes personalidades a nível europeu. Somente para contextualizar e apresentar o pretexto deste artigo, remetendo desde já para todos os seguintes, explico que o existencialismo, como opção da literatura, surgiu em França no segundo pós-guerra, onde os horrores da guerra assolaram esperanças e ceifaram vidas que não mais regressaram nem quietaram o mundo com a sua antiga existência. A presença do Homem como criador da destruição de si próprio e o confronto da sociedade com aquilo que, em pouco tempo, a pode reduzir ao monte de destroços a que condenou a matéria sólida abriram um novo caminho, bastante inovador e original, para os artistas de todas as artes, incluindo a literatura. Numa fase inicial, ou não tanto assim, assistiu-se ao florir da literatura surrealista, debruçada sobre os problemas interiores e dúvidas do íntimo pessoal. Este interesse pelas qualidades humanas e puras do próprio ser humano reage, do mesmo modo, contra o neo-realismo que esgotava, a olhos vistos, as suas capacidades criativas com a repetição dos mesmos assuntos e da procura pelas mesmas soluções. O existencialismo é somente o aprofundar da escrita surrealista e a reflexão filosófica das questões essenciais à fundamentação e legitimação da existência humana no mundo. Após a segunda guerra mundial, na literatura mundial verificou-se aquilo que em Portugal se confirmou após a Revolução do 25 de Abril: a verdadeira liberdade dos autores e criativos. A sua escolha livre e descomprometida de assuntos e métodos de escrita e de trabalho que melhorem a qualidade das suas obras, trabalhando com base no seu potencial como artista ou no público que pretende atingir. Justamente o existencialismo fez a passagem, particularmente na obra de Vergílio Ferreira, entre o neo-realismo e a literatura contemporânea: daí que se entenda a importância notável deste grande romancista que deixou o mundo no ano de 1996.

Existem no abstracto aqueles certos casamentos que sempre nos lembramos de ver consumados, e que nenhuma vaga ou vento com maior força parece conseguir abalar. E um desses casamentos é ter a humanidade sempre visto a literatura de mão dada com a filosofia, percebendo sempre os escritores tendo desejo de se afirmarem como donos da razão e filósofos influentes para a continuidade da espécie humana, enquanto aqueles que são inicialmente filósofos procuram, um dia, demonstrar a veracidade das suas teses através da ficção e da boa escrita. E se, na História da arte e da cultura, houve momentos em que a filosofia e a literatura quiseram afastar-se um pouco para divergir os temas da segunda, também surgiram momentos, como o existencialismo, em que as duas estiveram tão próximas como o mar da foz de um rio. Como um casamento, que vai oscilando, alternando situações de crise e quase ruptura e situações duradouras de estabilidade e paz conjugal.

Muitas vezes é considerado o fundador do movimento existencialista o francês Jean-Paul Sartre, conhecido pelo seu ateísmo e pela reacção a tudo o que é relativo a religião. Este mesmo homem das letras e de ideias fecundas escreveu um dia a sua definição precisa de Existencialismo, seguindo-lhe a justificação "A existência precede e governa a essência". Esta citação permite-me abordar mais a definição desta corrente literária: ela defende que antes de sermos aquilo que hoje somos, nascemos todos com características quase plenamente idênticas, e que são as vivências e os nossos actos que nortearão o nosso futuro, tornando-nos aquilo que viremos a ser. O existencialismo fundamenta-se na negação de qualquer espécie de pré-determinação do indivíduo, sendo este responsável por tudo o que lhe ocorre e pelas implicações desse fenómeno. O Homem torna-se "condenado à sua liberdade", às suas variadas possibilidades de escolha que tornam os seus caminhos diários de um grande risco para a sua integridade e correcção. Só a vivência e as atitudes tomadas poderão, com o tempo devido, dar origem à sabedoria - capacidade que favorece o sucesso nas tarefas que nos são propostas pela vida. A vida, a liberdade de acção, a existência ou não de uma divindade que nos observa do alto, a constante solidão do ser humano ou a moral são alguns dos temas mais comuns nas documentações dos escritores e filósofos existencialistas. O individualismo que surge, à primeira vista, como uma certeza na leitura dos existencialistas, não é verdadeiro, como se pode entender à medida que lemos: na verdade, os protagonistas partem do indivíduo para formular os problemas e discuti-los de si para si; porém que a reflexão se apresenta comum a toda a Humanidade, nascendo num sujeito e vindo a ser elevada aos demais humanos.

Vergílio Ferreira (visível na segunda e terceira imagens deste artigo) protagonizou este casamento entre a filosofia e a literatura no nosso país. Diria mesmo que foi o padre que realizou o dito matrimónio, e é com alguma graciosidade que o escrevo, com o saber que escapa à maioria das pessoas. Contudo, passo a explicar: é que, de facto, Vergílio Ferreira frequentou o Seminário, completando nele seis anos da sua educação. Acabaria por se tornar professor, leccionando português e latim em escolas por todo o país, e também escritor: área na qual se distinguiu. Nasceu em 1916, no concelho de Gouveia, na Serra da Estrela. Em Melo, onde hoje se encontra sepultado, foi deixado aos cuidados de umas tias maternas, juntamente com os seus irmãos, aquando da emigração dos seus pais para o outro lado do Atlântico. A infância e adolescência vividas na Serra condicionaram sempre a produção literária do escritor. Ele mesmo afirmou, certa vez, que "um autor fixa um tema. Mas esse tema, revelando, como revela, um interesse, revela sobretudo que foi só em torno dele que o artista pôde realizar-se como tal." Assim sendo, um escritor sempre reproduz nas suas obras as vivências que testemunhou. Não admira, por isso, aos conhecedores do seu percurso, que muitos dos seus romances retratem temas como o ser professor, a neve, a educação nos seminários ou a solidão, incluindo a mais amarga forma de solidão, a que dá o nome de "silêncio" - o abandono da sociedade por parte da entidade divina; ausência de Deus.

A sua obra literária compreende-se entre dois períodos, efectuando uma transição na obra que o sugere - Mudança: o neo-realismo, em que se inicia com o romance O Caminho Fica Longe, e o existencialismo, cuja obra-prima é a já citada Aparição. Durante as suas extensas e frutíferas divagações, o autor apoia-se na visão como instrumento de consciência e árvore de sabedoria. Em 1992 foi distinguido com o Prémio Camões, o mais importante prémio literário atribuído a escritores de Língua Portuguesa.