domingo, abril 12

Música: Carlos Paião...Génio! (?)

Faleceu hà 20 anos e poucos meses um dos mais conhecidos e respeitados intérpretes lusos de sempre. Gravou apenas dois álbums de originais, lançou 13 singles (número curioso), e escreveu para artistas tão distintos como Herman José e Amália, Cândida Branca Flor e Alexandra. Em 1981, o ano de “Pó de Arroz” e “Eu não sou poeta”, concorre ao Festival da Canção com o tema “Playback”, tema esse muito popular até nos dias de hoje, mas que conseguiu apenas, na Eurovisão, o penúltimo lugar.

Pensava eu, na minha doce ignorância, que existia consenso de opiniões sobre o contributo de Carlos Paião para a música portuguesa e da sua qualidade como autor e cantor. Porém, enganava-me. No outro dia, pesquisando na Internet a biografia de Paião, encontrei, num blog, uma verdadeira discussão acesa acerca da qualidade, mérito e seriedade do trabalho do autor de “Ga-gago”. Haviam argumentos pró-Paião para um lado, argumentos contra-Paião para outro, e as duas pessoas envolvidas na discussão pareciam não ceder, nem chegar a uma conclusão razoável, ou um ponto de equilíbrio entre a opinião de ambas. Decidi então tentar chegar a essa conclusão, que espero não precipitada, na redacção deste mesmo artigo. Assim, expor-vos-ei ambos os pontos de vista, para no fim concluir algo, sendo que essa conclusão pode ser, claramente, discutível e não definitiva, como todas as conclusões são, que de conclusivas nada têm.



O ponto da questão era então o seguinte. O autor do artigo sobre Carlos Paião chamava-lhe, entre outros adjectivos, de génio. Por outro lado, um leitor do blog decide expressar a sua opinião, dizendo-lhe que Carlos Paião era tudo, menos um génio, considerando-o sobrevalorizado e inferior a outros artistas da época. Sintetizando, esse senhor, o da opinião, afirmou que:

· Havia melhores intérpretes de música pop na altura, como Armando Gama, Doce, José Cid e Cândida Branca Flor, sendo assim injusto para os outros o destaque que Carlos Paião sempre teve a mais;
· O seu impacto maior deve-se ao facto de ter morrido cedo, sendo que se criou um culto do mito à volta disso;
· A sua voz era muito fraca, e sem comparação com a de alguns grandes intérpretes portugueses;
· Carlos Paião não passava de um compositor de músicas festivaleiras, notando-se aqui uma tentativa de descredibilização do pop alegre do intérprete.

Claramente se nota que todos estes argumentos são refutáveis, e que se pensarmos um pouco, soam a perspectiva forçada. Passemos então à contra-argumentação:

Mesmo antes de falecer, Paião já tinha mais sucesso e uma carreira mais sólida que a carreira de todos os nomes mencionados acima e todos os outros. Se não acredita, veja a quantidade de singles de por ele produzidos, sendo que a maioria deles chegou ao nossos dias, conquistando, geração após geração, Portugal. Não foi apenas uma canção que ele deixou como herança aos jovens, e às rádios, um par de singles de sucesso. Foi um verdadeiro espólio de relíquias, que são hoje recordadas pelos que viveram no tempo de Paião, e re-interpretadas pelos novos artistas lusitanos (veja-se a compilação de homenagem a Paião, lançada no ano passado). E mesmo aqueles artistas que não cantam as suas músicas e letras, o têm como uma das principais influências artísticas, sendo Paião, a par de Amália, o nome mais mencionado como inspiração da nova música portuguesa, sendo ela ligeira, fado ou hip-hop. A sua carreira nunca morreu, mesmo com a sua morte. E o facto é que houve carreiras que morrerão após um par de singles de sucesso, apesar dos artistas não terem falecido. Desta geração, apenas José Cid sobreviveu com igual saúde (além do anterior Variações);

A morte precoce de interpretes de sucesso leva a um grande problema, de seu nome, extremismos. Por um lado temos os que elevam o intérprete à figura de herói e lenda, e do outro os que subvalorizam o seu trabalho, afirmando que o seu sucesso no agora, se deve somente à carreira curta, mas intensa. Carlos Paião é um dos exemplos de artistas que partiram mais cedo do que deviam, e que têm a sua obra no meio destas duas opiniões extremistas, tal como Kurt Cobain, Jim Morrison, Janis Joplin e António Variações. Mas a verdade é que ambas as opiniões devem ser revistas pelos seus doutores. Em primeiro lugar, o mitificar é pouco correcto. Então, apenas se valoriza os artistas após mortos? Só os que faleceram cedo é que são porreiros? Não. Não pode ser assim. Os artistas, depois de mortos, valem o que foram em vida. E há artistas vivos de qualidade inimaginável. Em segundo lugar, não se pode dizer que o sucesso apenas provém da morte que chegou cedo. O caso de Paião é flagrante! Em apenas 10 anos, escreveu centenas de letras, compôs outras tantas canções, e interpretou músicas de sucesso, da sua humilde, mas complexa autoria. Não é qualquer um que consegue marcar a indústria musical portuguesa em tão pouco tempo, marca essa que se prolonga pela superfície dos anos que passaram. Em 10 anos nunca plagiou, não se deu ao desperdício de fazer composições menores, e seguindo o rumo que o pop português levava (sendo que Paião não foi o pioneiro no género) fê-lo evoluir. E isto é verdade;

O Carlos Paião cantava bem. Ponto. Não é necessário um vozeirão para se ser um cantor de influência inegável e qualidade superior. Não se precisa de prolongar a nota por muitos segundos, ou de se chegar a todas as oitavas, para se ser um bom intérprete. Há quem tenha grandes vozes, com mais amplitude, treino e técnica que a de Paião, mas essas pessoas normalmente desperdiçam-na em composições menores, letras medíocres ou numa carreira de bar de hotel. O no tão conveniente recorrer ao plágio, ou ao cover, ou à versão;

Sempre houve um grande preconceito acerca da música levada festival, considerada por muitos, lixo comercial. Porém há quem se esqueça que esta era a única montra de música nacional na época. Uma das únicas maneiras de novos letristas e compositores se mostrarem ao país e ao mundo, e não se pode considerar que o que é feito de Eurovisão não tem qualidade (que pecado dizer que Ary dos Santos, Carlos Paião e Rosa Lobato Faria são produtos sem essência!). Além de que Carlos Paião não fez músicas apenas para o festival. Tinha um repertório próprio! Ele não era simplesmente "Playback" e "Vinho do Porto"...era muito mais;

O género de música que ele cantava era pop. E o pop não pode ser visto como um estilo musical inferior a outros, como o rock ou o soul, apenas porque possui refrões orelhudos, instrumentais pastilha elástica e a sua função é entreter. Todos os géneros musicais devem ser aceites, ainda que os não apreciemos. Tudo depende do gosto de cada um. Além de que não podemos generalizar. Nem tudo o que se faz no pop é mau, nem tudo o que se faz no rock é bom, nem tudo no soul é uma jóia, nem tudo na música clássica é uma pérola. Há quem se distinga dos demais, no seu género. E Carlos Paião claramente se distinguia no seio do pop nacional.



Concluindo, não podemos ver Paião apenas como apenas mais um festivaleiro. Paião foi grande. 300 letras fabulosas em 10 anos, composições de não esquecer, e uma influência enorme e inigualável no panorama actual apenas nos provam que ele não era apenas mais um. Era o tal, um dos grandes da música do país à beira mar plantado.
Em termos de sonoridade pop, Paião era de facto originalíssimo, conseguindo agradar a gregos e troianos, a massas e a revoltados com a música comercial.


Mas não podemos chamá-lo de "maior revolucionário na música portuguesa". Embora o pop português tenha avançado através da sua obra, o facto é que ele não criou um género novo, apenas se limitou a seguir a corrente que começava na altura e a fazê-la evoluir. Ou seja, Paião não mudou tudo, e não foi o primeiro a colocar os tijolos do pop português. Mas o que ele fez com este género musical (levá-lo a outro patamar) é de louvar aos céus, e se Carlos Paião não era um génio, estava perto disso.

Sem comentários: